terça-feira, 2 de outubro de 2007

Superbad vs. O capacete dourado (2007)

Dois filmes que, pela proximidade com que os vi (estrearam na mesma semana e tudo), me parecem encaixar um no outro. São a face oposta da mesma moeda. A “moeda” aqui é a tentativa de tirar um retrato à juventude, ou melhor, às memórias juvenis dos seus autores. Capturar o momento onde nos apercebemos da irreversibilidade, momento onde no nosso vocabulário começará a surgir com frequência a palavra ontem (se é que tal momento existe, a meu ver é uma questão de românticos). Coloco-os então em faces opostas porque o filme americano opta pela comédia enquanto o português opta pela tragédia, não deixando ambos de tocar na face oposta.

Superbad, de Greg Mottola, é uma comédia sobre um dia, o último dia, na vida de um trio de outsiders liceais americanos, Seth (Jonah Hill) Evan (Michael Cera) Fogell (Christopher Mintz-Plasse), três excelentes actuações. Três miúdos que tentam ser o mais bacano possível perante os olhos dos outros dois. Desde a chegada matinal à escola até à festa nocturna muita água vai correr, muitas tentativas de afirmação vão ocorrer e muitas ilusões irão acabar.
O filme foi escrito por Evan Goldberg e Seth Rogen (reparem no nome de dois dos miúdos) que começam a evidenciar, este último pelo menos, uma clara linha de produção (ou tiques de autor). Os 3 últimos filmes por ele protagonizados, pelo que sei, recaem sobre o tema da imaturidade, homens que não querem nem conseguem encaixar no encaixe que lhes é devido (40 year old virgin, Knocked up). Repare-se então nos graúdos que rodeiam aqueles três miúdos: os acriançados polícias, as claras semelhanças entre a festa dos graúdos e a festa dos miúdos, a irresponsabilidade dos empregados da liquor store, etc. São todos adultos que não se sentem bem no mundo adulto, tal como os miúdos que não querem entrar nele. De certa forma os argumentistas Seth e Evan escreveram aqueles miúdos num universo infantilizado. Há um diálogo entre os polícias e Fogell que expõe claramente as coisas. O homem diz que queriam dar uma imagem a Fogell de que eles, adultos, também podem ser “à maneira”. E esse à maneira é, basicamente, portarem-se ridiculamente como crianças à sua frente. Fogell, não querendo lançar certezas, parece até ser um amigo imaginário de Seth e Evan argumentistas (é o mais outsider das três crianças) criado para ser o bode expiatório de várias situações, sejam elas boas ou más. Mas no final são eles Seth e Evan, os melhores amigos, que, à homenzinhos, tomam atitudes responsáveis.
O filme está carregado de calão, asneiradas e conversas de chacha (o Tarantino vincou forte e feio algum cinema americano). Está também orgulhosamente cheio de testosterona, misoginia e infantilidades (à lá Porky’s e American Pie, mas sem o insuportável conservadorismo onde, pelo menos o American Pie, acabaria por cair), não optando pelo caminho dos recentes e inconsequentes indies (Chumbscruber, Thumbsucker, Brick) que, de tal forma delicados, não são desavergonhados.

Capacete Dourado, de Jorge Cramez, por seu lado, é claramente um filme de um romântico (Superbad também é, mas há demasiados complexos para o assumir). Onde tudo, desde os motoqueiros fantasmas iniciais aos tumultos aquáticos finais, tende para a tragédia. Jota é um jovem motoqueiro, também ele um outsider, mas bem integrado entre a malta das motas. É mais um outsider visto pelos adultos. É o rebelde que dissemina indisciplina entre os colegas. Mas Jota é também um rapaz que, pela consequência dos seus actos, carrega o fardo da morte.
Apesar de alguns momentos algo elaborados de mais (em contraste com o Superbad, aqui há demasiada encenação nos planos) o filme consegue a espaços comover. Cramez, nas entrevistas que li dele, chama a si o periodo technicolor de hollywood, James Dean, rebeldes sem causa, etc, assim como a geração que o antecede no cinema, Teresa Villaverde, Manuel Mozos, Joaquim Leitão, mas faz demasiada questão nisso, e é pena. Muitas vezes soa a referência sobre referência, a memória sobre memória e as personagens deixam de lá estar, a história suspende-se, para caprichos de autor. No filme há de facto quebras dessas que resultam e comovem (a cena da dança nos anos, a disputa das motas) mas há outras que ficam naquele limbo, ficam ali atravessadas. Isto faz de Capacete Dourado um mau filme? Nada disso, até porque os momentos trágicos quando resultam são fortes. Muito ajudam também o par de protagonistas, especialmente Eduardo Frazão

E porquê de o versus no título do post… não sei… São dois filme que até casam bem por abordarem de forma totalmente oposta a mesma temática, opostos formalmente (na comédia a cena é mais importante que o plano, na tragédia o plano é tão importante quanto a cena) opostos narrativamente (na comédia uma história de amizade entre dois, na tragédia uma história de amor.) Mas no fim ambos falam de algo que se perdeu.

Ahh… o versus pode-se pôr em relação à banda sonora (essencial nos dois filmes). E assim o Superbad ganha aos pontos, numa banda sonora carregada de funk.

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