sábado, 29 de setembro de 2007

Goya’s Ghosts – 2006

Não sendo um conhecedor exemplar (que raio de palavra que fui arranjar… que se lixe) de obras cinematográficas históricas no geral, nem da obra de Milos Forman em particular, e ao contrário dos clamores de alguma crítica nacional, eu achei estes fantasmas bem interessantes. De Forman só conheço o comovente Man on the moon e o muito sobrevalorizado One flew over the cuckoo’s nest. Portanto dele poucos juízos posso formar apesar da alta reputação que goza como realizador. Mas indo somente pelo filme…
Que não sendo, nem será certamente um dos meus eleitos nas finais lista da praxe (aqueles balanços que se fazem, quando pouco se tem a fazer… balanços esses que, de tal forma balanceiam, acabam por não ter qualquer sentido para além do prazer ridículo que proporcionam), não deixa de ser um filme com algumas subtilezas que me agradam. Numa coisa estou de acordo com algumas críticas que li, as actuações de dois protagonistas não são convincentes. Stellan Skarsgård e Natalie Portman (esta, com muita pena minha, sai-se muito mal por vezes) acabam, em muitos dos seus momentos, por me defraudar. Distraí-me, saí do filme, que como é óbvio tem claras pretensões de rigor.
Mas apesar disso, que não é pouco, a reconstituição histórica do filme parece-me ser muito bem conseguida. Os dramas nele vividos entrelaçam-se muito bem narrativamente. E é nesse entrelace, ou nessa forma de entrelace, que mais interesse lhe acho. Apesar do título, inicialmente, nos fazer crer que vamos ver um biopic de Goya (Stellan Skarsgård), acabamos é por ver um filme alicerçado naquela personagem mas que em ambos os lados carrega dois fantasmas, Lorenzo (Javier Bardem, de se lhe tirar o chapéu) e Inés (Natalie Portman), com tanto protagonismo quanto ele. Como se Goya fosse o centro de uma balança de pratos e os outros dois, ao seu olhar (como fantasmas), criassem e arruinassem o seu equilíbrio. Goya é portanto, e não mais, que uma de três personagem que, sem peso na narrativa (isto é, o fluxo histórico passa por ele sem o alterar), soçobra somente perante os desequilíbrios dos dois fantasmas que o rodeiam (há um terceiro que surge no terceiro terço do filme, Alicia (também Natalie Portman, infelizmente, mas faz sentido), com outro peso e que também lhe dará outro rumo). E daí até achar excelente aquela elipse temporal de alguns anos (15, se não estou em erro), que narrativamente parece vir a martelo mas que faz algum sentido visto assim. Após o desaparecimento de Lorenzo, e a prisão de Inés, restitui-se o equilíbrio a Goya: Fade out. Fade in: O equilíbrio desfaz-se quando o retornado Lorenzo vem abrir as portas, que encarceraram Inés, voltando com ele os jogos de balança. Que, de novo, só se equlibrará (quebrará?) com o seu linchamento público.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Invasion of the bee girls - 1973

Um exploitation dos 70’s calha sempre bem. Denis Sanders é o homem do leme, Anitra Ford, Anna Aries e Victoria Vetri são as moças dos remos.
Algures numa terriola do interior dos E.U.A. andam a morrer uma série de homens durante o acto sexual (como um doctor por lá diz “imagine you’re going while you’re coming”). É então que entra em cena o agente Agar (William Smith, actor canastrão como se quer), enviado pelo estado para investigar a coisa. Envolve-se, como seria de esperar, com a doutora boa (nos dois sentidos claro, aqui não há doutoras “más”), deixando os outros marmanjos (os “machos” da zona) à mercê dos desejos da doutora má. Esta, a má, é uma cientista que, no seu refundido laboratório, faz investigação com abelhas e que, por mutação, é ela própria uma abelha rainha que instintivamente procura procriar, mas como é estéril acaba apenas por matar os machos que fornica (tal como as bee queens), não tendo capacidade para depois gerar fetos. Isto é a história. Agora vamos ao que interessa: as moças são boas, a pancadaria é uma tanga (quase não há), os efeitos especiais não são nenhuma especialidade. O que adianta ver isto perguntam vós. Além do flavor à seventies, há uma coisa que muito gosto: os olhos negros (ou as lentes contacto para o efeito, como queiram). Eles surgem geralmente quando as moças estão a fornicar (ou naquele ritual de baptismo de outras moças em bee queens, que envolve auto-carícias aos seios e outras delícias). Nos close-ups somos sugados para os olhos negros, tal como é sugada a vida daqueles homens. Se há algo tão assustador (ok, um pouco menos assustador, mas quase tão assustador) que uma vagina dentada, são aqueles olhos. Conselho de amigo: nunca se deitem com moças desse género, pois além de nos matarem não nos trazem descendência.

Voltando às auto-carícias gratuitas, outro ponto alto do filme, é vê-las de óculos escuros em plano americano (e assim se brinca aos cowboys) a desapertarem a vestimenta extasiadas com a congregação de uma nova súbdita. Ahh... e os créditos finais envolvem abelhas a polinizar ao som de ‘Assim fala Zarathustra’ de Richard Strauss (qual 2001 qual carapuça).

Agora atinem-se e, em vez de andarem à caça do próximo blockbuster em cartaz, vejam é filmes como este que ninguém vos levará a mal. É certinho que no dia seguinte não andarão discutir se… ou melhor, a falar mal do facto da galinha da vizinha ser mais gorda que a vossa, pois ainda andarão hipnotizados com those bottomless eyes.

Cléo de 5 à 7 - 1961

Foi talvez a primeira longa-metragem a que mais fama trouxe a Agnés Varda. Compreende-se, pois o filme segue as pisadas, e os fascínios, da nouvelle vague, que então ainda lançava foguetes (alguns deles estrondosos, outros de artifício).
Confesso que a maior parte dos filmes desses malditos franceses me ficam atravessados na garganta (há contudo, e como tudo, excepções: há Godards essenciais, nunca vi um mau filme de Rhomer, 400 Coups, etc). A maior parte deles parecem-me, precisamente isso, foguetes que ou rebenta estrondosamente ou se desfazem em fogachos coloridos, ou seja, ou nos incomodam constantemente os ouvidos ou nos deixam de espantar ao segundo foguete. Contudo esta Cléo de Varda merece estar à tona da água. Sendo honesto 90% do filme merece estar bem mais alto que a tona, mas o que o puxa definitivamente para ela são as cenas finais, com o surgimento do amor, ou do homem. Nessa cena lá voltam as famigeradas palavras de Godard. Disse ele que para se fazer cinema basta um homem uma mulher e uma câmara. É claro que sim, aliás basta só uma câmara, mas nesse segmento final de filme parece-me que tal foi feito somente por seguidismo.
Descontando então esse final, ficamos com um filme fantástico. Cléo (grande e belíssima Corinne Marchand) é uma cantora pop que de início recebe o vaticínio da morte por uma astróloga (na única, e ainda não compreendida, sequencia a cores). Daí, das 5, até ao fim, às 7, ela carregará esse fardo. O filme divide-se em capítulos temporais (excelente ideia) que a aproximam das 7. Mais ou menos assim: Cléo das 5:34 às 5:40; Cléo et Antoine das 6:15 às 6:22. Como sabemos que o final do filme será às 7 (pelo título) e o início nos informa da tragédia de Cléo, a dimensão temporal (simulando o “em tempo real”) acaba por sufocar o filme.

Para além de cantora pop Cléo é também (ou por isso) rainha naquela Paris. Passeia-se por ela com altivez, namora montras abundantes, gaba-se da sua beleza (a morte, diz ela, é ser-se feia), encanta homens e desencanta-se com as mulheres. Chegamos a meio do filme quando dois compositores vão ao seu majestoso apartamento com uma ideia para uma nova canção. Ela canta-a e, no único momento que saímos do tempo do filme, das 5 às 7, ela olha-nos lavada em lágrimas consumida pela canção que lhe revolve, e nos revolve, a alma e cai da sua altivez (num só único plano… não há palavras para o descrever, é um petardo). Deixou de ser a rainha. Tira a coroa (uma peruca fabulosa que então usava), troca o branco que trazia vestido pelo preto, e sai de novo à rua. Já não se vê bela, vê-se rodeada de feios (aqui surgem inúmeros close-ups de parisienses feios, ou seja, na sua visão, a morte), etc. Os planos, os close-ups, os travelings da primeira parte do filme parecem até repetir-se nesta segunda. Com nova perspectiva, com nova vida (ou morte). Ela até assiste a um filme (ou não fosse isto um filme da nouvelle vague), filme esse, mudo e burlesco, que resume aquelas duas horas de vida de Cléo (a maravilha do cinema, 5 minutos bastam para sumarizar um pedaço de vida). Jean Luc-Godard, nesse filme dentro do filme, interpreta um homem que vê as duas faces da sua vida, a face branca e a face negra (é somente uma questão de tirar os óculos de sol).
Vendo bem-bem Cléo de 5 à 7 é um grande filme. Só o final, o período das, vá lá, 6:40 às 7:00, destoa.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Se ying diu sal (aka Snake in the eagle’s shadow) – 1978

Primeira colaboração entre Jackie Chan e Woo-ping Yuen que, sem atingir a mestria do sucessor Jui Kuen (aka Drunken Master), não deixa, para uma estreia, de ser um fabuloso filme de porrada oriental. Chamem-lhe kung-fu, como queiram.
Chan é aqui um pobre coitado à mercê dos caprichos dos alunos e encarregados da escola de artes marciais Hungwei. Farto de ser saco de boxe dos outros decide aplicar-se e desenvolver-se como lutador. Encontra casualmente o mestre na técnica do punho de cobra, interpretado pelo pai de Woo-ping Yuen, Siu Tien Yuen, que o aceita como discípulo, mas que por sua vez está a sendo perseguido por um maníaco professor da técnica da águia que o quer eliminar, assim como todos aqueles mestres que ensinam outras técnicas. Chien Fu (Jackie Chan) herda então, a muito custo (já se sabe como são as cenas de treino nestes filmes), os ensinamentos da técnica da serpente de Pai Cheng-tien (Siu Tien Yuen). Mas como aplicado e inexcedível aluno que é começa a desenvolver uma outra técnica, a partir daqueles princípios, a técnica do gato. E assim cria uma mutação no seu estilo, originando o estilo cobra-gato que o leva à vitória final sobre o vilão principal Sheng Kuan (Jang Lee Hwang), mestre da técnica da águia, se ainda se lembram. Esta intriga toda entrelaçada com uma outra que conta a rivalidade entre duas escolas de artes marciais (que bem podia estar noutro filme) e sua angariação de novos, e ricos alunos, para o seu bom nome.

O que é que em termos de enredo isto traz em benefício dos filmes de artes marciais? Nada. Mas quem é o tolinho que vibra com estes filmes à espera de novos devaneios de argumentista?
A força do filme está, como seria de esperar (mas não deixando de nos surpreender), nos combates coreográficos: precisão (movimentos de câmara), tempo (montagem), inventividade e comédia (neste filme até nem tanto). Mas aqui as cenas de treino são as mais brilhantes. A cena da tigela de arroz (memorável), o arco de madeira, os ovos nas estacas, etc. É até um filme exemplar em termos de uso do scope. Aliás os filmes deste período de Woo-ping serão todos exemplares, em vários sentidos, para calarem os detractores deste género popular.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Caged – 1950

Há aqueles que, como eu, basta mencionar as quatro palavras anglo-saxónicas women in prison picture para que uma parte do encéfalo salte do sítio, salte de contentamento. Parte essa que é vizinha daquela que salta ao som de filme pornográfico. Apesar dessa parte do meu encéfalo ainda ter estado a saltar segundos antes de me pôr a ver este filme de John Cromwell depressa ela se acalmou, pois este não merece o adjectivo de xxxploitation. É, pelo contrário, um drama sério (o que muitas vezes não quer dizer melhor) e de denúncia sobre o cárcere. Marie Allen é uma inocente jovem (mas não totalmente inocente em relação ao crime a que foi condenada, aliás o filme nunca chega a esclarecer cabalmente os motivos porque foi condenada, pois só nos é dito, por ela, a sua versão.) Dizia eu que essa inocente jovem se vai desgastando no tempo, de um ano, enjaulada nas precárias condições daquele estabelecimento prisional. Recurso após recurso as suas liberdades condicionais vão-se esfumando. Entra para lá grávida sai de lá sem saber onde pára o filho (que a mãe dela, lá fora, se recusou a cuidar.) Entra sem qualquer ligação ao mundo do crime (foi um fait-diver que a pôs lá dentro), sai com a única solução de “emprego” a entrada para aquele mundo (o final faz nó na garganta.) Entra ingénua e sai encurralada. Há uma cena brilhante, pelo ponto de vista da directora do estabelecimento vê-se a fotografia de condenada no dossiê, com os olhos de Allen ainda assustados ainda incrédulos, e depois a câmara sobe enquadrando Allen, que entrara no escritório da directora, desgrenhada com olhos de condenada e nada inocentes.

Um elenco formidável, Eleanor Parker como Marie Allen, Agnes Moorehead como Ruth Benton, directora da prisão, Betty Garde como Kitty Stark, e Hope Emerson como Evelyn Harper (tremendo papel de megera carcereira), num filme que toca em feridas difíceis de sarar numa sociedade que não sabe lidar com os excluídos (e qual é que sabe?). Todas elas, as personagens, excepto uma, a megera, partem do ponto a para o z, tal a distância que separa as incertezas inicias das certezas finais. A megera (continuo a chamá-la assim porque, para além de ser o termo correcto, foi por ela que se incluiu o filme no ciclo “Megeras no cinema” na cinemateca) é a única que sem ilusões tenta sufocar a liberdade das outras (com uns arranjinhos por fora) de modo a mantê-las na ordem.

É de assinalar o papel do homem no filme, que fisicamente é quase inexistente – só nos aparecem nas figuras dos gangsters finais são de papelão, mas taxativas, e nos superiores da directora Ruth Benton, que pouco fazem para a ajudarem a manter a ordem. São eles que, quando nomeados, levam com as culpas. Foram eles, por diversos motivos, que as puseram lá dentro, é a eles que Evelyn Harper se socorre quando vê o seu emprego em perigo (apesar das tentativas de Benton em despedi-la), são eles que põem Benton entre a espada e a parede em diversas situações. Apesar dali dentro aquilo ser um “women’s world” é esclarecedor que lá fora o estigma “it’s a men’s world” permanece e sufoca-as. Como responderia a directora no final, após vê-la partir no carro com quatro gangsters, à pergunta de uma funcionária sobre o que faria ao processo de Allen, “Keep it. She’ll come back.”

The mask of Fu Manchu – 1932

Glorioso filme de aventuras de Charles Brabin. Inserido naquela época de serials (filmes curtos de aventuras exóticas, sci-fi ou outras coisas que tais), e apesar de não o ser totalmente, este destaca-se como um dos melhores.
Uma mão cheia de exploradores ingleses descobre, algures no oriente, o túmulo de Genghis Khan. Uma comitiva, que ainda permanecia em Inglaterra, parte imediatamente para lá para saquear os artefactos que descansam no seu interior, a famosa máscara e espada de Khan, na tentativa dos exporem nos seus museus. Contudo o temível Fu Manchu também anda atrás das relíquias, com o intuito de, através delas, ressuscitar o espírito guerreiro do magnífico Genghis Khan e conduzir uma interminável horda de amarelos chineses sobre as fracas nações brancas ocidentais. É claro que nestes tempos, nestes filmes, estas temáticas continham sempre intragáveis conotações racistas (até por lá andam pretos a fazerem-se de imóveis sentinelas imponentes… no fim acaba tudo em carne para canhão, claro está.) Mas tudo é facilmente ultrapassável, pois tudo é caricatura, tudo é papelão, tudo é pseudo-exótico, tudo é ingénuo.

Boris Karloff (encarnando, pela única vez, o diabólico Doutor Fu Manchu) é soberano como vilão. Myrna Loy (Fah Lo See, filha do Doutor) é exótica q.b. Os ingleses encarnam outros papéis-chapa-4, muito saudáveis neste género (o canastrão, a loira em apuros, o arqueólogo ambicioso, etc.) Os cenários são de papelão (Hollywood no seu melhor): grutas, maquinaria de tortura e científica que só visto, o túmulo de Genghis Khan, o palacete de Fu Manchu, o oriente no geral, é tudo fantástico. Animais exóticos aos molhos: crocodilos, serpentes, tarântulas, salamandras. Muito explode a nossa imaginação ao ver aquilo. E, como se sabe, muito explodiu na imaginação de jovens miúdos de então, e futuros cineastas, tais como Fuller, Spielberg, Lucas, Dante, Corman. Quase que aposto que todos devem, ainda hoje, no céu ou na terra, estar agradecidos ao senhor da bilheteira, que vendou os olhos e fez ouvidos moucos, quando os deixou assistir ao The Mask Of Fu Manchu numa qualquer matinée.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Wild tigers I have known – 2006

Um filme sobre o encontro natural com a sexualidade. Mas há encontros mais brutais que outros, naturalmente. Logan (Malcolm Stumpf), solitário protagonista, miúdo de um só amigo, não sabe como lidar com ela (nem parece saber o que ela é) e por isso refugia-se nos sonhos e desejos que lhe assaltam constantemente a cabeça (e o coração). Sonhos esses que envolvem tigres, leões e aranhas. Um dia esses sonhos e desejos ganham um norte. Um rapaz mais velho Rodeo (Patrick White), também ele um solitário que vagueia pela escola, provoca em Logan uma certa identificação e atracção. Faz-se então amigo de Rodeo, que o leva a ver cool stuff, como leões no mato. Mais tarde descobre que Rodeo, não partilha com ele a mesma atracção, gosta de moças, o que faz com que a sua frustração e alheamento se tornem mais acentuados. Sentimentos esses que se vão manifestar em novas formas de se encarar: tenta olhar-se como mulher, na forma como se traveste, na forma como se “ouve” com voz feminina (as cenas ao telefone, entre Logan e Rodeo, são fantásticas), etc. Isto leva, necessariamente, em sociedades guiadas pelo preconceito, à descriminação, ao abandono, às incertezas da vida e às certezas da morte. O final não desvendo mas garanto-vos que é justo.

Wild Tigers I have Known (gosto bastante do título, aliás é daqueles títulos que faz um filme) é intrigante, os sonhos não cessam de invadir a realidade (ou o contrário?) Há uma imagem recorrente que, de certa forma, vai ancorando o filme: a tentativa do miúdo se encontrar na imagem que lhe é devolvida pelo espelho que está, cliché, fracturado. Imagens essas que rimam com outras em que o miúdo olha para a câmara, olhando-nos (tentando reconhecer-se em nós?) Por vezes, parece-me, que Cam Archer o filma assim na intenção dele próprio também tentar o reconhecimento naquele rapaz.

A grande pedra no sapato do filme, e é de facto grande, é as referências estarem ainda demasiado evidentes. David Lynch (realizador de narcóticos pesadelos) e Sud Pralad (aka Tropical Malady), de Apichatpong Weerasethakul (sim, muito por causa dos tigres, mas não só), são duas referências que me parecem estar no seu cerne, o que o debilita um pouco, não só por não estar ao nível delas mas porque aqueles universos são de tal forma pessoais e genuínos, que se tornam de difícil apropriação. Apesar disso o filme consegue dar-lhes alguma “coerência”, intriga e sensualidade, típicas da cabeça fervilhante de um rapaz em crise de identidade sexual, logo pessoal.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Jôi-uchi: Hairyô tsuma shimatsu (aka Rebellion) – 1967

Masaki Kobayashi é um dos mais conceituados realizadores do sol nascente, no entanto, só à coisa cinco/seis dias, se deu a minha entrada nos seus filmes. A primeira parte do filme não me agradou (mas isto ocorre-me muitas vezes nas primeiras visões de vários filmes, sabem como é, o nosso batimento cardíaco não acompanha o sincopar do filme.) Parte essa que se ocupa de desvelar lenta e parcimoniosamente o enredo. Como o melhor jogo de xadrez, tudo se tenta encaixar, ocupar e aniquilar sem se tocar. Chegados ao final, tudo se encurrala, tudo se asfixia e tudo implode (há demasiado silêncio incomodativo para que haja uma explosão.) Como não esperava aquela lentidão inicial “tive” que adormecer uns cinco/dez minutos a meio do filme para, à alerta, assistir à perfeita meia hora final. A história, em traços gerais, com compreensíveis buracos, é qualquer coisa como isto: Isaburo Sasahara (o grande Toshirô Mifune), experiente samurai, é pai de Yogoro (Takeshi Kato), que se casa, com a outrora concubina do filho de um senhor feudal, Ichi (Yôko Tsukasa). Casamento esse que dá origem a uma filha Tomi. Certo dia o filho do senhor feudal morre, o que faz com que Tomi, primogénita, seja a herdeira natural do trono. Ichi e Tomi são arrancadas à família Sasahara para cuidarem da sucessão destinada. Isaburo e Yogoro não aceitam essas ordens, mas numa fase inicial cedem-nas, e rebelam-se contra os superiores hierárquicos. Assim é. Certa altura, quando já ninguém quer dar o braço a torcer e a honra consome os juízos, o bando de samurais do senhor feudal cerca a casa dos Sasahara e tudo implode. Yogoro e Ichi morrem abraçados, um ao outro, por amor. Isaburo como genial esgrimista que é consegue eliminar toda a frota de samurais (que em tempos treinara) e foge com a neta Tomi para a fronteira. Na fronteira encontra um dos seus mais fiéis súbditos que, sendo guarda fronteiriço, não tem alternativa senão enfrentá-lo: filmou-se aqui um dos mais belos combates que alguma vez vi. Depois surgem os balázios no silêncio do descampado. Espingardas atrás dos arbustos rebentam a pólvora, enchem o silêncio de estrondo, matam Isaburo, deixam Tomi só.
Isabura exalando gritos de desespero, pede a quem de comando, que cuide de Tomi. Assim acontece, a ama, que cuidara de Tomi, na ausência temporária da sua mãe, aparece (como e porquê nunca nos é dito nem mostrado), pegando-a ao colo e… Fim.

Se não se convenceram da essencialidade deste filme é porque, e só porque, eu não tenho trinta avos do talento necessário para escrever algo justo em relação a ele.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Mala Noche - 1985

Gus Van Sant já teve vários ups and downs, em termos de opinião pública e crítica, ao longo da carreira. Os ups iniciais não os conheço de todo (My Own Private Idaho, Drugstore Cowboy), os mais recentes (Elephant, Last Days) conheço-os eu bem, e são dos maiores ups do actual cinema americano. Mas no início, no início inicial, houve este filme que agora está em cartaz.
Pode-se dizer, sem assombramentos, que Van Sant estreou-se com o pé direito na realização. Num filme de temática assumidamente gay, como aliás alguns outros filmes que se lhe seguiram, e de estilo nova-iorquino, como John Cassavetes explorou, Van Sant filma a autobiográfica história de Walt Curtis. E filma como se fosse um filme on the road (acredito que esse seja o espírito do romance que lhe está na origem) parado numa cidade, Portland, do interior fronteiriço americano. E parado o protagonista, Walt (Tim Streeter), vê a chegada de dois novos jovens mexicanos à sua loja de bebidas. Em voz off o protagonista vai fantasiando sobre os dois jovens. Um deles, o que ele mais gosta, resiste aos seus avanços, o outro, segundo as suas regras e uma certa maquia, lá se entrega aos prazeres carnais de Walt. O filme não se esforça muito por contornar as seduções explícitas masculinas, e faz muito bem, mas nunca recorrendo ao efeito explícito que daí poderia advir.
Johnny (Doug Cooeyate), quem Walt verdadeiramente deseja, a meio do filme desaparece (descobre-se mais tarde que foi caçado pelas autoridades de emigração), ficando Walt somente com Roberto (Ray Monge). Começa então a transferir o desejo que tinha pelo outro para aquele. Desejo esse que nunca é correspondido, apesar de se enrolarem os dois na cama.
No final a coisa volta a alterar-se, é Roberto quem desaparece e Johnny quem reaparece. Tudo em aberto de novo. As hesitações voltam assim como a esperança.

Shurayuki-hime - adenda

3 bandidos:
o 1º aniquila-se psicologicamente suplicando (é aquele cuja filha o procura vingar); o 2º aniquila-se fisicamente (é aquele que não tem filhos, e é decepada na zona do ventre após o enforcamento); o 3º aniquila-se moralmente (tentando matar o filho para não morrer.)

Isto faz-vos algum sentido…?
É isto e o facto de andar a traduzir os títulos dos filmes, de diferentes nacionalidades, para inglês… porque carga de água?

Shurayukihime (aka Lady Snowblood) – 1973

A belíssima cantora pop japonesa Meiko Kaji é Yuki Kashima, nome de combate, Shurayuki-hime no filme de Toshiya Fujita.
O filme começa com o parto violento de mãe de Yuki Kashima no cárcere, rodeada de encarnadas mulheres prisioneiras, protegida do nevão que cai lá fora. E acaba com Shurayuki-hime ensanguentada caída na neve, não morta, mas sim regenerando. O meio do filme é preenchido com uma fabulosa história de vingança e sangue a jorros (a melhor palavra para caracterizar este filme talvez seja encarnado.) Shurayuki-hime nasceu do crer de vingança de sua mãe, que foi em tempos violentada por três homens e uma mulher, que também mataram o seu então esposo. Na cadeia, onde foi parar após matar um dos escumalhas, seduz vários guardas com o intuito de os fornicar e gerar a semente da vingança. A mãe morre no parto e a pequena Yuki é entregue a um monge, mestre de artes marciais, que a irá treinar e alimentar o seu desejo de vingança. Assim acontece, a vingança servir-se-á fria, como a neve, e em segunda geração.
Yuki Kashima feita mulher parte à procura dos restantes três bandidos. Cada capítulo do filme, tirando o prólogo e o primeiro, está destinado para esquartejar as entranhas de cada um. O primeiro a morrer é um alcoólico e jogador (perdedor) compulsivo. Morre suplicando e arrependendo-se dos seus actos. Deixa para trás uma filha que, mais tarde, também quererá vingança pela morte de seu pai. O segundo, uma mulher, enforca-se quando se sente encurralada pela espada de Shurayuki-hime. O terceiro, um poderoso chefe do submundo, é trespassado pela espada que, no mesmo golpe, trespassa o seu filho, que era então o amor de Yuki.
Este é um dos mais extraordinários filmes de vingança jamais feitos. Não só pelo sangue a jorros mas pelo facto de os actos de vingança consumados se esconderem por detrás de actos de cobardia cega. Os dois primeiros bandidos são mortos porque se “aniquilam” minutos antes da espada de Shurayuki-hime os trespassar. Só o último tenta sobreviver mas o seu filho rebela-se contra ele e sacrifica-se, pelo amor a Yuki, à espada de Shurayuki-hime. No final a filha do bandido alcoólico trespassa Yuki, com a sua espada, em acto vingativo pela morte do seu pai.
Há outros pormenores interessantes: o filho do chefe do submundo produz o jornal local onde vai relatando, à lá manga style (que são inseridas no scope do filme), os feitos de Shurayuki-hime; os momentos hiper-romantizados e os momentos hiper-violentos (os géisers sanguinolentos), todos eles bonitos demais; a montagem hiper-estilizada (nada se conta cronologicamente e os flashback repetem-se sucessivamente); o contraponto entre a paixão que nasce no filho, de um dos bandidos, e o ódio que nasce na filha, de um outro. E mais pormenores haverá certamente em revisões futuras do filme.
O último parágrafo que dedico a este extraordinário filme é em referência a Quentin Tarantino que o assume como influência primordial para o seu Kill Bill Vol.1 (eu digo: e não só). Da bela música de Meiko Kaji, ao bailado de espadas na neve, à secção por capítulos (ok, o Pulp Fiction já o fazia), ao sangue encarnadíssimo a jorros, à própria cadência do filme, quase tudo deve a este filme. No entanto os actos vingativos no filme de Tarantino não nos deixam em tão mau estar como este. Eu idolatrava o primeiro capítulo da saga Kill Bill mas, é um facto, que se volta a confirmar, que, à excepção de Pulp Fiction e Jackie Brown, os títulos de Tarantino se esvaziam perante as referências base.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Yabu no naka no kuroneko (aka Black Cat from the Grove) – 1968

Eu tenho o cérebro ocupado de mitologias cinéfilas, são elas: filmes que nunca vi mas que, pelo que li (e tento sempre não ler muito) e do pouco que me foi dado a ver, não deixam de ser da minha vida. É claro que aqui empolo um pouco o delírio. Não deixa contudo de ser verdade que alguns deles têm uma força tal na minha imaginação que já negligenciei a minha higiene diária para os “rever” cá “dentro”. Um desses títulos é Onibaba de Kaneto Shindo. Ainda não foi desta que o vi… vi sim um filme posterior a esse do mesmo realizador que segundo o Manuel Cintra Ferreira, da Cinemateca Portuguesa, pisa os mesmos terrenos que aqueloutro sem chegar à sua mestria.
E o que dizer catraios… se calhar deveria acabar aqui o post, não?... não, posso-vos falar um pouco da sua narrativa… No tempo das guerras civis japonesas, que se estendeu aos clãs dos samurais, Gintoki (Kichiemon Nakamura), um camponês, tem que deixar para trás a sua esposa, Shige (Kiwako Taichi), e a sua mãe, Yone (Nobuko Otowa), para defender o seu território contra os bárbaros. Certo dia, mãe e filha são assaltadas, violadas e mortas por uma dezena de samurais. Surge então o gato preto que lhes devolve a “vida” sob uma maldição: as duas fantasmas terão de seduzir e matar todos os samurais que passem por aquela floresta de bambu. Assim é. Um atrás doutro, todos morrem sob os encantos delas.
Gintoki, o jovem camponês agora condecorado samurai pela sua valentia, regressa a casa e não encontra lá as mulheres. Presume ele que fugiram, pois não seria caso único naquele tempo tumultuoso.
Com o desaparecimento de vários samurais da região o chefe do seu clã ordena-o que elimine o “monstro” que atormenta os cavaleiros. Gintoki parte então para a noite da floresta de bambu. Encontra-as, reconhece-as e é seduzido pela sua falecida mulher. Shige no dia seguinte já não existe, pois não matou aquele samurai. Não o matou quando o amava na cama, leito fatal para os outros. Sobra Yone, a mãe…
Epá, já estou a contar demasiada história e não é certamente de histórias que vivem os filmes, mas sim, neste caso mais que noutros, de fantasmas. É vê-las a voarem naquele scope a preto&branco. É vê-las em rituais de morte (a dança de morte da mãe!) É vê-las, as luzes, a formarem os corpos e a apagarem-nos…
Isto é do melhor cinema de terror, é do melhor cinema de amor, é do melhor cinema “chambara” (género de samurais) de sempre e nem sequer é Onibaba…!
Os deuses (ou o Manuel Cintra Ferreira) devem estar a gozar comigo, ai devem, devem…

Death Race 2000 – 1975

Filho da New World (produtora de Roger Corman) Paul Bartel, como seria de esperar, sabe poupar. Poupa nos planos, nos efeitos especiais, no guarda-roupa e na conversa de chacha. O que me surpreende nesta primeira geração de “filhos” de Corman é exactamente essa secura, pois seguiram os ensinamentos do “pai” e raramente pretenderam mudar de rumo (geralmente aplaudimos aqueles que se rebelam contra os pais e no entanto aqui a lógica é inversa.) Há pouco dinheiro, logo há pouco tempo, logo… não interessa filme haverá certamente. O espírito cormaniano prevalece(u) em alguns deles.
No longínquo ano 2000 existe uma corrida de carros marados que atravessa de lés a lés os E.U.A. Da costa este à costa oeste os cinco concorrentes disputam a liderança na prova e a devida saudação presidencial. Pelo meio podem angariar pontos atropelando pessoal (como aquele jogo de computador, sabem, aquele que surgiu algures nos anos 00.) Pois bem, nesse ano 2000 este é o desporto com maior audiência a nível mundial (ou não fossem os E.U.A. o mundo), o que faz com que os rebeldes franceses o queiram sabotar, sob o pretexto daquilo ser um jogo amoral. Melhor: o presidente e os media americanos ignoram as suas represálias, ou seja, nada fazem para as impedir.
Paul Bartel filma essa corrida disparatada como uma sátira política e social enraizada na cultura de entretenimento americana de então (agora ela assume outros contornos), fazendo um filme de entretenimento. E aqui, quanto a mim, reside a inteligência (e na verdade, de certa forma, o descomprometimento) deste projecto de Bartel. Ele vai jogar com várias referências dessa cultura de entretenimento americano (os desportos motorizados, os action movies, o burlesco à lá Chuck Jones e Tex Avery, os conflitos internacionais, etc) para construir à nossa frente um Frankenstein (que é aliás o nome da personagem principal interpretada por David Carradine.) Frankenstein esse totalmente desarticulado, com os parafusos à mostra, para que nos entretenhamos a desmontá-lo enquanto o vemos.
Tenho de referir também, para apimentar o vosso interesse, que anda por aqui um Sylvester Stallone, em início de carreira, e pelo menos quatro gajas boas (e algumas delas mostram os rabos&mamas.) E Simone Griffeth é nome para estar na ponta da língua.
Se ainda não se convenceram devem ter algum tumor a afectar-vos a cachimónia… mas aqui ficam outras dicas: os fãs das Wacky Races, da dupla Hanna-Barbera, devem delirar com isto; e o… (já arranjaram adjectivos para isto?) Escape from New York de John Carpenter deve ter brotado daqui.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cronos - 1993

Apanhei a fama de Guillermo del Toro já ela se agigantava sobre o mainstream americano. Falavam então que era um realizador a ter em conta porque conseguia a improvável proeza de conciliar a sua carreira mexicana (as suas origens) com a hollywoodesca. Sendo que as produções mexicanas lhe garantiam a liberdade criativa e as americanas os dólares. Eu até me entusiasmei com a onda que se criou, pois na altura vira Mimic (que na minha memória ainda surge como um excelente b-movie), Blade II (nada de especial, na verdade, mas bem bom para os actuais padrões dos action movies americanos) e El Espinazo del Diablo (que muito me entusiasmou – talvez, a par de Cronos, o melhor filme dele.) Depois del Toro começou a pôr o pé na pocilga. Tanto Hellboy como o recente e multi-premiado El Laberinto del Fauno, por diversas razões, me esgotaram a paciência enquanto os via.
Cronos, mesmo assim, mantivera-se na minha imaginação como um filme de visão obrigatória. E de facto as altas expectativas em relação a ele não ficaram defraudadas. O que se tornou insuportável neste último El Laberinto aparece-nos aqui como um motivo interessante e genuíno. E esse motivo, que se repete ao longo dos seus filmes, é o florescer da imaginação fantástica/onírica infantil em oposição à severidade pragmática do mundo adulto. As crianças nos filmes de del Toro estão sempre a sós com a sua imaginação, não a podendo partilhar com ninguém, só connosco: espectadores.
Ao contrário do El Laberinto del Fauno, que tenta ter outro fôlego (desculpem a insistência nesse filme, mas ela serve-me para melhor explicar a separação entre o joio e o trigo na obra de del Toro), o despoletar da imaginação de Aurora (Tamara Shanath), a criança, não advém dos conturbados tempos políticos, mas sim da inevitável caminhada para a morte do seu avô (Federico Luppi, grande actuação). A menina “imagina” que o avô a certa altura na sua loja de antiguidades encontra um artefacto ancestral que lhe concede a vida eterna. Isto tudo, como se quer, escondido numa intriga que envolve um capanga (Ron Perlman) que pretende, para o seu tio, o artefacto. Há também por aqui umas pitadas de gore, há dependência (o avô fica dependente das picadas do artefacto que o rejuvenescem), há zombies (Aurora prolonga a vida do avô para além da morte) e outras manhas.
Mas na essência o mais tocante e emocionante do filme reside nesse “embelezamento” que del Toro, através dos olhos da criança, dá à morte do avô (o filme é dedicado no final a uma pessoa, cujo nome não me recordo, mas estou em crer que é uma senhora, talvez a avó de del Toro?) E há uma cena comovente/brilhante: a meio da noite a menina assiste, no topo das escadas de sua casa, ao avô a contorcer-se lá em baixo (narrativamente: devido ao vício de se injectar no artefacto; na verdade: é a hora da morte a chegar), e quando ele repara nela diz-lhe: “No se passa nada Aurora.”

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Northwest Hounded Police - 1946

À maior parte dos terrestres, de Terra e de Marte, estes desenhos não serão estranhos. Mas quem lhes prestou a devida atenção? Quem reavaliou tudo isto para que nós, geração bonita, partamos para a sua revisão com os preconceitos desempoeirados? Pois eu não sei quem foi mas, de certezinha, já tem lugar cativo no céu.
Diálogo entre dois indivíduos, um novato (que futuramente se tornará fã) e um que se diz expert (que futuramente se tornará fã), após o visionamento da curta no Cartoon Network:

Tex Avery:
…homem que ordenou e desordenou o mundo na animação?

Tex Avery:
Não só ordenou e desordenou como, se metaforizares a conversa num baralho de cartas, voltava a dar.
Tex Avery:
O gajo tinha o baralho todo na mão, trunfos, jokers, manilhas, duques… e punha-os todos na mesa em 7 minutos!?

Tex Avery:
Não só fazia isso como até fazia batota!
Tex Avery:
Tás a gozar! Não vi por lá batota alguma…
Tex Avery:
Tens a certeza? Queres ver de novo?

Tex Avery:
Bora lá.

Só agora estou a prestar a devida atenção a ‘isto’. E rai’s o partam o génio dele, Tex Avery (pelo menos neste episódio), reside na mestria em como coloca a mesma ‘histérica!’ piada em n sequências sem nunca perder a frescura.
A piada aqui é: Prisioneiro em fuga que, por mais oblíquo, esdrúxulo, inexistente espaço na Terra em que tente ‘desaparecer’ encontrará Sgt. McPoodle (Droopy).

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Jui Kuen (aka Drunken Master) - 1978

Yuen Woo-ping ao segundo filme, enquanto realizador, tatua a sangue o seu nome no género de kung-fu. Jui Kuen é unanimemente hoje considerado um clássico do cinema chinês. Começando pelos três maiores talentos deste filme, que já se encontraram no anterior Se Ying Diu Sao (aka Snake in the Eagle’s Shadow – que conto ver brevemente), parecem estar aqui em estado de graça. Aos três talentos refiro-me a Jackie Chan (vedeta do burlesco moderno e de então), Siu Tien Yuen (pai de Woo-ping Yuen, actor e mestre de kung-fu) e Woo-ping Yuen (talentoso action director e realizador.)

Pois bem, Wong Fei-hung (Jackie Chan) é um empertigado, mas talentoso, lutador que se envolve constantemente em tricas. O seu pai, que já não o atura, encarrega o seu tio, o Drunken Master (Siu Tien Yuen), de discipliná-lo. Ele, claro, não está para isso. Certo dia, numa luta, é humilhado por um mestre que só não o mata por condescendência. Lá volta ele para o bêbado tio para aprender, por simulação, as lições dos maiores mestres bêbados.
E nessa simulação reside aquilo que une muitos dos filmes de kung-fu, pois é frequente ver-se grandes lutadores que, por arrogância, levam sovas daqueles que, por humildade, seguem os ensinamentos tradicionais. O cinema popular chinês sempre procurou essa vertente de educar os jovens através dos ensinamentos tradicionais (facto a que não estará alheio o regime comunista, especulo eu.) Mas neste filme joga-se uma cartada importante, mascarada de comédia, para inverter um pouco essa tendência, já que os vencedores são aqueles que, por disciplina, suportam uma g'anda piela (neste filme o álcool puro tem o mesmo efeito que os espinafres do Popeye.)

E falta referir o maior mérito do filme: as lutas - que, à imagem do posterior Lin Shi Rong (aka Magnificent Butcher), são ‘daqui’.
Jackie Chan é espantoso (e não só como comediante), Siu Tien Yuen faz-nos cair o maxilar superior, e Woo-ping c’est unique.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Reiko Ike

…porque não se deve aludir à promiscuidade duma moça sem vos dar um cheirinho dos terrenos por ela pisados.

Gyakushû! Satsujin-ken (aka Street Fighter's Last Revenge) - 1979

Com uma intriga mais complexa que os dois filmes que o antecedem, embora em contenção de violência, este terceiro Street Fighter (não será o derradeiro, pois existe por aí algures uma sister street fighter, aliás neste já há uma ‘sister’) vem dar um passo em frente em relação ao segundo mas, como seria de esperar, não tem trunfos contra a simplicidade do primeiro (nem parece ser esse o seu objectivo, mas torna-se inevitável pô-los na balança.) Tsurugi neste filme já tem os meios e os modos de um James Bond (ok, nem tanto ao mar nem tanto à terra mas, o que é que querem?, já usa telefone, está um pouquinho mais civilizado e até já luta de costas direitas!) É mestre no disfarce, sabe seduzir e é seduzido por boas e más mulheres, e luta contra fulanos que apenas querem lucrar com a situação (coisa que até agora nunca acontecera, pois antes só queria arrasar os malditos mafiosos (aliás quer é destruir a organização), pouco se importava se alguém beneficiasse com aquilo.) Há boas cenas de calor sexual (já no segundo havia uma mas a actriz em cena não era a bela e promíscua Reiko Ike), já é elegante na luta provocando menos cenas gore (e a única que se justifica é somente última) e o MacGuffin já não é tão saboroso como dantes porque, em vez de raptos, aqui o objecto de chantagem é uma cassete áudio contendo conversas incriminatórias que envolvem governo e sindicatos (essas tretas políticas), falta-lhe portanto a vertigem de jogar e brincar com vidas (que é sempre mais fixe.)
É um facto: perdeu-se, de vez, o incontrolável misantropo do primeiro filme. Contudo é certa a excelência de Sonny Chiba como Tsurugi, até nas diversas mutações a que a personagem foi sujeita ao longo dos filmes, sempre com um pé no burlesco e o outro nas fuças dos bandidos.

Este é um excelente plano, os homens da esquerda chantageiam os da direita, reparem na posição do tigre no painel. Mas quem é que sai literalmente por detrás dele?

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

US Open

Agora que nos tiraram a fruta e os legumes resta-nos a chicha, ou por outra, as irmãs Williams.

sábado, 1 de setembro de 2007

Red Bull Air Race

E já que estou numa de falar sobre aviões (conferir posts anteriores) e de mensagens torpedo, curti, o pouco que vi, da corrida aérea do touro encarnado. Sugiro que pró ano, não só por questões de proximidade, o façam no mais feinho Tejo.

US Open

E catapum! Maria Sharapova não renova o título do grand slam. Pode ser que agora a encontre lá para os lados da Praia da Areia Branca (se ela não se baldar a compromissos...)

*sigh*

Ainda nos resta a Ana Ivanovic.

...é o calor de Setembro...

…e porque as porno stars, que nos provocam o Verão e nos aquecem o Inverno, terão sempre aqui, neste sítio, um lugar de carinho e destaque.

Olhai-as a discutir fervorosamente os assuntos político-militares externos das Américas (questões de armamento e afins.)

Mysterious Skin – 2004

Vindo da produção independente americana (que a meu ver nos últimos tempos tem-se tornado, na maior parte dos casos, em estilo), este filme de Gregg Araki surpreende pelo retrato impiedoso, e emocional, sobre os efeitos sexualmente abusivos praticados a duas crianças. E a verdadeira força do filme de Araki advém do facto dele evitar a generalização, pois tece uma narrativa focada no detalhe e em espiral sobre os seus protagonistas. De certa forma cada personagem, Neil e Brian (todos os 4 actores que as encarnam, dois para a adolescência dois para a infância, vão muito bem), tem um percurso em espiral que, no final, acabam por chocar, uma com outra, e implodir. Evitando estereotipar as personagens (ficamos a sós com os nossos preconceitos), Araki faz tudo para que elas nos fujam por entre os dedos quando menos esperaríamos (e esse trabalho é excepcional a nível dos secundários, essencialmente o abusador professor de baseball (vénia a Bill Sage) e as mães dos protagonistas.) No entanto, apesar de tudo, a estrutura vai-se insinuando rapidamente ao longo do filme, fazendo com que, chegados a metade da história, saibamos o que nos espera no final (nunca o percurso até lá.) O que não sendo necessariamente mau, acaba por emocionalmente o resultado não ser pungente como, claramente, era a intenção de Gregg Araki. E claro, entre outras coisas, há por lá uma citação poética a Douglas Sirk (ou pelo menos eu vi-a assim) que me pareceu forçada - é aquela cena em que a amiga de Neil, e ele próprio, diante uma tela de cinema drive-in, se imaginam num filme das suas vidas até àquele momento - o fim da inocência - e por trás a neve começa a cair.

Ainda que chegado com imenso atraso Mysterious Skin não deixa de ser mais um arremesso de kaka para a face dos que gostam de afirmar que na, so called, silly season nada de jeito se estreia.