quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Ascenseur pour l’échafaud – 1958

Numa altura em que a geração da Nouvelle Vague lançava os primeiros rebentos da “revolução” (começavam a surgir algumas curtas-metragens de alguns arautos do movimento, que até ali só escreviam nas páginas do Cahiers du Cinema) houve algumas longas-metragens “não oficiais” que a anteciparam. Mas, como chico-espertos que eram os moços dos Cahiers, logo tratavam de dar nas orelhas aos filmes que não faziam parte da “família”. Faziam-no com o intuito de, sem oposição, melhor tomarem de assalto o mercado cinematográfico francês. Alguns realizadores e filmes (apesar de eu fazer esta distinção, eles nem sequer a faziam) talvez merecessem esse puxão de orelhas no entanto outros há que, além de não o merecerem, ultrapassam, na Ducati de Casey Stoner, os gestos mais ou menos vanguardistas do movimento. Esta estreia de Louis Malle nas longas-metragens é disso exemplo.
Alicerçado nos arquétipos do filme noir americano Malle opta por subvertê-lo sem nunca escamotear o gozo que isso traz. A loira madame Carala (a já fenomenal Jeanne Moreau), chorando ao telefone, suplica a Julien Tavernier (Maurice Ronet) que faça, naquele dia, o golpe que planearam e mate o patrão deste, seu marido, monsieur Carala. Assim é. Julien, com artefactos no seu escritório e técnicas à super espião, executa o plano quase sem mácula. No carro é que se apercebe que ainda há uma prova a eliminar. Volta atrás. Quando sobe no elevador para o seu escritório este pára por corte de energia. Ali fica ele praticamente todo o filme.
Na rua um jovem casalito de classe baixa, ela, morena, fascinada com o glamour à lá espião de Julien, ele fascinado com o seu carrão, metem-se ingenuamente no seu carro e põem-se on the road. Road essa que os leva ao assassínio e ao pânico de se sentirem perseguidos por polícias.
A madame Carala julga Julien fugido, cobarde e infiel, desconhecendo que ele ficara preso no elevador, pois o carro dele passara por ela a grande velocidade com a jovem morena dentro e um vulto de homem. Madame Carala deambula então por Paris ao som da sua interrogatória e monocórdica voz de consciência e ao som do trompete de Miles Davis (icónica, famosa e cooooool banda sonora).

No final lá se desmaranha o trágico novelo narrativo e o que fica, e se sobrepõe, é a deliciosa subversão dos lugares comuns do filme noir. Ora a femme fatale, a loira madame Carala, apesar de ser aquela que despoleta o crime, é também aquela que trará maior densidade psicológica ao filme com a sua voz off a ecoar e a desconfortar (geralmente essa voz é atribuída aos homens). O homem assassino passa o filme impotente, em silêncio, preso no elevador. É então o casal de jovens inconscientes que traz o sangue e vertigem ao filme, roubando, matando e dissimulando (como se estivessem a viver num filme, mas atormentados com isso). E o facto da jovem morena, a femme maternal (são sempre elas que acalmam os corações rebeldes masculinos), se sentir conivente nos crimes do seu par (ela quer que se escreva nos jornais, quando forem apanhados e mortos, o título “os amantes trágicos”) soa-me a subversão.
Portanto Louis Malle, neste filme, põe em Paris quatro arquétipos do filme noir americano e nenhum deles se sente confortável com o papel que lhe coube (estão noutro país, noutra cultura, onde as estradas não se estendem para sempre, têm que andar às voltinhas). Logo, os quatro, sentem que terão um fim trágico, como nos filmes noir.

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