sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Du Rififi chez les hommes – 1955

Jules Dassin, realizador americano de vários filmes noir, enquanto esteve exilado em França (era bruxa no tempo em que as caçavam), adaptou ao grande ecrã a então pouco conhecida personagem francesa de romances de cordel Rififi (calão francês para escroque, ou melhor para ‘tough guy’), e tornou-a ícone. Nunca, anteriormente, vira algum filme de Dassin mas posso garantir-vos, com toda a segurança, que ele aqui é mestre. Du Rififi chez les hommes é dos maiores (senão o maior) filmes de golpe que já vi. Se enquanto via o Quais des Ofévres me lembrava de um alfaiate em labor aqui a imagem que me ocorreu foi de um relojoeiro. Garanto-vos que aqui não há qualquer ganga (logo não há alfaiates, ou pelo menos alfaiates de mineiros), todas as cenas têm razão de ser, todas aprofundam as personagens, todas mostram acções e elidem intenções, e nunca, em algum momento, nos esquecemos que estamos em território noir, logo trágico. É-me profundamente exaltante ver filmes destes onde, com uma precisão temporal refinadíssima, se tomam as mais diversas liberdades. Há por lá uma cena de meia hora (não sei o tempo exacto, mas por mim poderia estender-se para sempre) em que não se ouve uma palavra, em que o som é mínimo, onde o cinema é máximo. É incrível garanto-vos.
A história é mais ou menos assim. Toni “Rififi” le Stéphanois (Jean Servais, grande actor entre grandes actores, o elenco é fabuloso incluindo o próprio Jules Dassin sob o pseudónimo Perlo Vita) fora, antes de ter estado encarcerado, um dos mais perspicazes ladrões de Paris. Agora, arredado dessa vida, é um homem viciado na má vida, que lhe dá com os pés e que o sobrecarrega de dívidas. A certa altura é aliciado por dois compinchas – mais tarde virá o terceiro - para participar num golpe a uma ourivesaria. Ele aceita, já que nem dinheiro nem mulher tem (a primeira cena dele com ela é fabulosa). Planeiam e fazem o golpe (os 30 min. de perfeição). Na última parte do filme Grutter dono do bar L’âge d’or, onde trabalha Mado (Marie Sabouret), interesse amoroso de Toni, descobre quem fez o golpe e tenta chantageá-los, raptando o filho de um deles. Toni moralmente, até por que é padrinho da criança, sente-se obrigado a resgatá-la.

As pequenas coisas do filme, que o tornam grande, são tantas que não vale a pena enumerá-las. Mas há um aspecto que adoro. Os homens e as mulheres. Toni le Stéphanois ainda ama Mado (e vice-versa), mas moralmente já não a pode encarar, pois ela não é mais que uma reles rameira. Mario Ferrati (Robert Manuel) vive e ama a rameira que tem lá em casa, pois não tem as quezílias morais de Séphanois. César le Milanais (Perlo Vita aka Jules Dassin) é um bon-vivant, deita-se com aquelas que se queiram deitar com ele; e chora ao saber da morte de Ferrati. Jo le Suedois (Carl Möhner), o mais jovem, é um homem de família. É a figura mais socialmente estável, e é aquele que mais vai cair a pique. Com ele há uma cena estrondosa: no quarto da criança, então desaparecida, é lhe entregue, assim como a Toni (os outros dois já morreram), a mala com o dinheiro correspondente ao golpe, ao abri-la, há um silêncio (daqueles que gritam) denunciador de tudo. O dinheiro que ali está diante deles ocupou o lugar da criança. Depois há Grutter, carta fora do baralho, dono da casa de alterne e que com elas mantém uma relação mercantil.
Todos deixam de viver – não é um spoiler, aliás isto é um film noir (tal & qual, à francesa e tudo) – quando elas deixam de acreditar neles. Não se pode falar em traição (excepto num caso, o de César, que não a ama), elas é que os amavam tanto quanto eles as amavam.

Quando revir o filme talvez volte a falar dele. Porque, como os melhores, só visto e revisto… e, claro está, mais um herói/realizador para o cardápio.

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