quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Shurayukihime (aka Lady Snowblood) – 1973

A belíssima cantora pop japonesa Meiko Kaji é Yuki Kashima, nome de combate, Shurayuki-hime no filme de Toshiya Fujita.
O filme começa com o parto violento de mãe de Yuki Kashima no cárcere, rodeada de encarnadas mulheres prisioneiras, protegida do nevão que cai lá fora. E acaba com Shurayuki-hime ensanguentada caída na neve, não morta, mas sim regenerando. O meio do filme é preenchido com uma fabulosa história de vingança e sangue a jorros (a melhor palavra para caracterizar este filme talvez seja encarnado.) Shurayuki-hime nasceu do crer de vingança de sua mãe, que foi em tempos violentada por três homens e uma mulher, que também mataram o seu então esposo. Na cadeia, onde foi parar após matar um dos escumalhas, seduz vários guardas com o intuito de os fornicar e gerar a semente da vingança. A mãe morre no parto e a pequena Yuki é entregue a um monge, mestre de artes marciais, que a irá treinar e alimentar o seu desejo de vingança. Assim acontece, a vingança servir-se-á fria, como a neve, e em segunda geração.
Yuki Kashima feita mulher parte à procura dos restantes três bandidos. Cada capítulo do filme, tirando o prólogo e o primeiro, está destinado para esquartejar as entranhas de cada um. O primeiro a morrer é um alcoólico e jogador (perdedor) compulsivo. Morre suplicando e arrependendo-se dos seus actos. Deixa para trás uma filha que, mais tarde, também quererá vingança pela morte de seu pai. O segundo, uma mulher, enforca-se quando se sente encurralada pela espada de Shurayuki-hime. O terceiro, um poderoso chefe do submundo, é trespassado pela espada que, no mesmo golpe, trespassa o seu filho, que era então o amor de Yuki.
Este é um dos mais extraordinários filmes de vingança jamais feitos. Não só pelo sangue a jorros mas pelo facto de os actos de vingança consumados se esconderem por detrás de actos de cobardia cega. Os dois primeiros bandidos são mortos porque se “aniquilam” minutos antes da espada de Shurayuki-hime os trespassar. Só o último tenta sobreviver mas o seu filho rebela-se contra ele e sacrifica-se, pelo amor a Yuki, à espada de Shurayuki-hime. No final a filha do bandido alcoólico trespassa Yuki, com a sua espada, em acto vingativo pela morte do seu pai.
Há outros pormenores interessantes: o filho do chefe do submundo produz o jornal local onde vai relatando, à lá manga style (que são inseridas no scope do filme), os feitos de Shurayuki-hime; os momentos hiper-romantizados e os momentos hiper-violentos (os géisers sanguinolentos), todos eles bonitos demais; a montagem hiper-estilizada (nada se conta cronologicamente e os flashback repetem-se sucessivamente); o contraponto entre a paixão que nasce no filho, de um dos bandidos, e o ódio que nasce na filha, de um outro. E mais pormenores haverá certamente em revisões futuras do filme.
O último parágrafo que dedico a este extraordinário filme é em referência a Quentin Tarantino que o assume como influência primordial para o seu Kill Bill Vol.1 (eu digo: e não só). Da bela música de Meiko Kaji, ao bailado de espadas na neve, à secção por capítulos (ok, o Pulp Fiction já o fazia), ao sangue encarnadíssimo a jorros, à própria cadência do filme, quase tudo deve a este filme. No entanto os actos vingativos no filme de Tarantino não nos deixam em tão mau estar como este. Eu idolatrava o primeiro capítulo da saga Kill Bill mas, é um facto, que se volta a confirmar, que, à excepção de Pulp Fiction e Jackie Brown, os títulos de Tarantino se esvaziam perante as referências base.

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