sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cléo de 5 à 7 - 1961

Foi talvez a primeira longa-metragem a que mais fama trouxe a Agnés Varda. Compreende-se, pois o filme segue as pisadas, e os fascínios, da nouvelle vague, que então ainda lançava foguetes (alguns deles estrondosos, outros de artifício).
Confesso que a maior parte dos filmes desses malditos franceses me ficam atravessados na garganta (há contudo, e como tudo, excepções: há Godards essenciais, nunca vi um mau filme de Rhomer, 400 Coups, etc). A maior parte deles parecem-me, precisamente isso, foguetes que ou rebenta estrondosamente ou se desfazem em fogachos coloridos, ou seja, ou nos incomodam constantemente os ouvidos ou nos deixam de espantar ao segundo foguete. Contudo esta Cléo de Varda merece estar à tona da água. Sendo honesto 90% do filme merece estar bem mais alto que a tona, mas o que o puxa definitivamente para ela são as cenas finais, com o surgimento do amor, ou do homem. Nessa cena lá voltam as famigeradas palavras de Godard. Disse ele que para se fazer cinema basta um homem uma mulher e uma câmara. É claro que sim, aliás basta só uma câmara, mas nesse segmento final de filme parece-me que tal foi feito somente por seguidismo.
Descontando então esse final, ficamos com um filme fantástico. Cléo (grande e belíssima Corinne Marchand) é uma cantora pop que de início recebe o vaticínio da morte por uma astróloga (na única, e ainda não compreendida, sequencia a cores). Daí, das 5, até ao fim, às 7, ela carregará esse fardo. O filme divide-se em capítulos temporais (excelente ideia) que a aproximam das 7. Mais ou menos assim: Cléo das 5:34 às 5:40; Cléo et Antoine das 6:15 às 6:22. Como sabemos que o final do filme será às 7 (pelo título) e o início nos informa da tragédia de Cléo, a dimensão temporal (simulando o “em tempo real”) acaba por sufocar o filme.

Para além de cantora pop Cléo é também (ou por isso) rainha naquela Paris. Passeia-se por ela com altivez, namora montras abundantes, gaba-se da sua beleza (a morte, diz ela, é ser-se feia), encanta homens e desencanta-se com as mulheres. Chegamos a meio do filme quando dois compositores vão ao seu majestoso apartamento com uma ideia para uma nova canção. Ela canta-a e, no único momento que saímos do tempo do filme, das 5 às 7, ela olha-nos lavada em lágrimas consumida pela canção que lhe revolve, e nos revolve, a alma e cai da sua altivez (num só único plano… não há palavras para o descrever, é um petardo). Deixou de ser a rainha. Tira a coroa (uma peruca fabulosa que então usava), troca o branco que trazia vestido pelo preto, e sai de novo à rua. Já não se vê bela, vê-se rodeada de feios (aqui surgem inúmeros close-ups de parisienses feios, ou seja, na sua visão, a morte), etc. Os planos, os close-ups, os travelings da primeira parte do filme parecem até repetir-se nesta segunda. Com nova perspectiva, com nova vida (ou morte). Ela até assiste a um filme (ou não fosse isto um filme da nouvelle vague), filme esse, mudo e burlesco, que resume aquelas duas horas de vida de Cléo (a maravilha do cinema, 5 minutos bastam para sumarizar um pedaço de vida). Jean Luc-Godard, nesse filme dentro do filme, interpreta um homem que vê as duas faces da sua vida, a face branca e a face negra (é somente uma questão de tirar os óculos de sol).
Vendo bem-bem Cléo de 5 à 7 é um grande filme. Só o final, o período das, vá lá, 6:40 às 7:00, destoa.

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