quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Caged – 1950

Há aqueles que, como eu, basta mencionar as quatro palavras anglo-saxónicas women in prison picture para que uma parte do encéfalo salte do sítio, salte de contentamento. Parte essa que é vizinha daquela que salta ao som de filme pornográfico. Apesar dessa parte do meu encéfalo ainda ter estado a saltar segundos antes de me pôr a ver este filme de John Cromwell depressa ela se acalmou, pois este não merece o adjectivo de xxxploitation. É, pelo contrário, um drama sério (o que muitas vezes não quer dizer melhor) e de denúncia sobre o cárcere. Marie Allen é uma inocente jovem (mas não totalmente inocente em relação ao crime a que foi condenada, aliás o filme nunca chega a esclarecer cabalmente os motivos porque foi condenada, pois só nos é dito, por ela, a sua versão.) Dizia eu que essa inocente jovem se vai desgastando no tempo, de um ano, enjaulada nas precárias condições daquele estabelecimento prisional. Recurso após recurso as suas liberdades condicionais vão-se esfumando. Entra para lá grávida sai de lá sem saber onde pára o filho (que a mãe dela, lá fora, se recusou a cuidar.) Entra sem qualquer ligação ao mundo do crime (foi um fait-diver que a pôs lá dentro), sai com a única solução de “emprego” a entrada para aquele mundo (o final faz nó na garganta.) Entra ingénua e sai encurralada. Há uma cena brilhante, pelo ponto de vista da directora do estabelecimento vê-se a fotografia de condenada no dossiê, com os olhos de Allen ainda assustados ainda incrédulos, e depois a câmara sobe enquadrando Allen, que entrara no escritório da directora, desgrenhada com olhos de condenada e nada inocentes.

Um elenco formidável, Eleanor Parker como Marie Allen, Agnes Moorehead como Ruth Benton, directora da prisão, Betty Garde como Kitty Stark, e Hope Emerson como Evelyn Harper (tremendo papel de megera carcereira), num filme que toca em feridas difíceis de sarar numa sociedade que não sabe lidar com os excluídos (e qual é que sabe?). Todas elas, as personagens, excepto uma, a megera, partem do ponto a para o z, tal a distância que separa as incertezas inicias das certezas finais. A megera (continuo a chamá-la assim porque, para além de ser o termo correcto, foi por ela que se incluiu o filme no ciclo “Megeras no cinema” na cinemateca) é a única que sem ilusões tenta sufocar a liberdade das outras (com uns arranjinhos por fora) de modo a mantê-las na ordem.

É de assinalar o papel do homem no filme, que fisicamente é quase inexistente – só nos aparecem nas figuras dos gangsters finais são de papelão, mas taxativas, e nos superiores da directora Ruth Benton, que pouco fazem para a ajudarem a manter a ordem. São eles que, quando nomeados, levam com as culpas. Foram eles, por diversos motivos, que as puseram lá dentro, é a eles que Evelyn Harper se socorre quando vê o seu emprego em perigo (apesar das tentativas de Benton em despedi-la), são eles que põem Benton entre a espada e a parede em diversas situações. Apesar dali dentro aquilo ser um “women’s world” é esclarecedor que lá fora o estigma “it’s a men’s world” permanece e sufoca-as. Como responderia a directora no final, após vê-la partir no carro com quatro gangsters, à pergunta de uma funcionária sobre o que faria ao processo de Allen, “Keep it. She’ll come back.”

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