terça-feira, 13 de novembro de 2007
Rescue Dawn
O que é espantoso no filme, além das excelentes actuações do trio Bale, Zhan e Davies, é a forma como Herzog usa a câmara, mais concretamente as panorâmicas. Tirando a parte central do filme, centrada no campo prisional, onde ocorrem as mais importantes elipses temporais do filme (o desgaste nas personagens é notório, e notável em subtileza, de cena para cena), as partes que ensanduicham esse centro correspondem ao olhar subjectivo da floresta sobre Dieter. E, a espaços, o olhar de Dieter sobre a floresta. Após o escape há uma cena espantosa: depois de uma longa caminhada, Dieter, arrastando aos ombros Duane, pára a certa altura e exclama algo como “Look, it’s a village!”, Duane olha em redor e o desalento diz “It’s just forest”, a câmara, numa panorâmica, dá-nos a ver a razão da exclamação de um e do desalento do outro. Estão ambos correctos, o velho dilema optimismo pessimismos (dilema Dieter Herzog?) A força da cena faz-me lembrar que, até ali, o filme já nos deu outras panorâmicas (se não panorâmicas outros planos sequência semelhantes) que não serão só descritivas mas sim estados de espírito. Pouco a ver com o universo de Malick, apesar de não o rejeitar, repare-se na cena em que Dieter vê Duane, já morto, entre a densa folhagem, Herzog é um pragmático. Contudo nunca anula o olhar do seu protagonista. Little Dieter sonha em voar (os americanos aproveitaram-se desse sonho para o pôr a combater), e isso implica sobreviver cá em baixo.
Heartbreak Kid
Ben Stiller, habitué nestas coisas, continua a ter classe nas típicas banalidades narrativas dos Farrelly. Mas com essa banalidade os Farrelly já fizeram grandes comédias. Contudo as piadas, apesar de até ter algumas bem esgalhadas (a ‘blonde pussy with a life of her own’ é a rainha delas), na maioria já não têm a frescura necessária.
Apesar do deslize, até porque o filme não é tão mau quanto isso, eu ainda deposito nos Farrelly Bros. alguma esperança, porque, para além da comédia americana precisar urgentemente de alguma iconoclastia, foram eles que deram ao descontrole do agora moribundo Jim Carrey o melhor dos rumos.
domingo, 11 de novembro de 2007
Highwaymen – 2003
Never say… never mind – 2001
Elas são a verdadeira mão que estabelece a ordem (James Bond anda nisto à anos e não sai da cepa torta, aliás parece que só piora as coisas) com os seus gadgets temíveis (telemóveis que lançam raios provocadores de náuseas e vómitos) e poder de sedução estonteante (garanto-vos que a mais heterossexual das mulheres não resistiria aos seus charmes, ok, a Erika tem os seus defeitos fora de uma discoteca fumarenta às 3 da manhã mas é só...) O mundo está a salvo… se não o mundo pelo menos a hora e meia de filme.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Rubber Johnny – 2005
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
.45 – 2006
Não há muito para contar para além deste resumo. É um filme com mais ambição que força dramática. Ao contrário do que se tem dito por aí (incluindo o Paulo Portas) não achei a interpretação de Milla Jovovich nada de especial, contudo concordo que ela na cena de violência doméstica vai muito bem, e a cena no geral é muito boa, de gelar o sangue, ou pelo menos torná-lo um pouquito mais espesso.
Dentro dos filmes de vingança feminina o The Brave One vai melhor. Gary Lennon, o realizador do filme, para a próxima que implore ao produtor a Jodie Foster, e assim pelo menos terá um terço do filme feito.
The Brave One – 2007
Erica Bain, contudo, não deixou esvaziar a sua moralidade, ela sente que o que faz não é correcto. Fá-lo por medo, por instinto básico, por sanidade. Quando se confronta com o detective Sam Mercer (Terrence Howard) só não se descose toda porque, na sua natureza, o instinto de sobrevivência vem ao de cima. Erica tem consciência dos seus actos e sabe que a sua moral permanece correcta mas nada pode contra os seus instintos básicos.
O grande erro de Neil Jordan, realizador, foi ter filmado uma cena que descredibiliza muitas que depois a sucedem. Erica Bain, pouco após ter acordado do coma, com escoriações na face e de olhar acossado, responde à frase feita ‘eu sei o que deve estar a sentir’, do polícia que a interroga, com um ríspido ‘do you?’. E na cena seguinte, mais coisa menos coisa, Neil Jordan aparece-nos a fazer uns efeitos de câmara simulando efeitos de vertigem num corredor, vemos e ouvimos o ‘fantasma’ do namorado de Erica sentado à cama, há até uma cena de sexo fantasiada. E eu que na excelente cena do ‘do you?’ pensei que Jordan iria optar por um retrato frio daquela personagem…
Agora diga-se Jodie Foster é excelente, sempre foi, pelo menos no retrato das mulheres “masculinizadas”, a profissão de Erica Bain, e o seu programa, é um achado (seria seu ouvinte certamente), o poster do filme à lá 70’s é um dos melhores do ano (tanto este que vos mostro como aquele que chegou a Portugal), e o plano final é também muito bom (eu tenho um fascínio por planos finais, tenho para mim que deve ser o plano mais difícil de escolher/encaixar num filme). Ela com o cão passa, de noite, pelo túnel que viu morrer o seu namorado. Erica ‘reconciliou-se’ com a sua ‘nova’ paixão, Nova Iorque ('nova' porque há uma Nova Iorque antes e depois da agressão.)
Petrified Forest – 1936
Duke Mantee (grande nome de personagem, grande Bogart que tem um close-up semelhante ao do John Wayne no Stagecoach, de John Ford, vocês sabem daqueles que faziam deles estrelas) é, na primeira parte do filme, notícia. Fugiu da prisão ajudado por três rufias. Na segunda parte também vai parar à estação de serviço onde, além de fazer reféns um punhado de personagens, incluindo Alan e Gabrielle, esperará a chegada da sua namorada, para juntos atravessarem a fronteira para o México.
Alan propõe então a Duke, na ausência de Gabrielle, que o mate. Afinal de contas ele já encontrou a razão “worth to dying for”, e com as notinhas do seu seguro de vida pode pagar a viagem de sonho a Gabrielle. É certo que o argumento é demasiado rebuscado (e o Leslie Howard não convence) mas eu, da Hollywood clássica, papo quase tudo, especialmente porque os argumentistas daquele período sabiam-na toda.
Reparem só, Duke Mantee enquanto espera e espera pela namorada ouve as mais variadas histórias dos reféns, o gajo que quer namorar com Gabrielle, e que ela o despreza por ser demasiado redneck, o avô de Gabrielle que vive fascinado com os fora-da-lei, um casal de ricaços com um casamento de fachada, o pai de Gabrielle, homem íntegro, de princípios impolutos, e especialmente o romantismo e pragmatismo exacerbado de Alan, além de também ter que levar com as conversas dos seus colegas rufias. Quando no final Duke se apercebe que o estamine está rodeado de polícias e que a sua namorada, muito provavelmente, o denunciou, ou pelo menos as vozes dos seus colegas rufias assim o dizem, Duke hesita em atirar sobre Alan, afinal de contas ele é o único ali que pode viver um romance decente. Mas este impede-o de escapar se não o fizer e, num momento de amargura, Duke atira sobre Alan. Basta este momento para me convencer que estou a ver grande cinema. Artificioso até à medula, no argumento e até na linha do horizonte, que é de papelão, mas genuíno nas emoções e nos conflitos.
Naquele tempo, sem grandes artifícios, aliás, por falta deles, aguentavam com uma perna atrás das costas quase todo um filme dentro de uma gas station, isto deveria incomodar e muito os argumentistas actuais, que agora parecem estar em greve... do mau o menos...
Ahhh... já vos disse que Duke Mantee é nome para ser tatuado na língua?
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Oz – 1997-2003
Raras a vezes somos levados para fora da penitenciária Oswald “Oz”, portanto, e o princípio da série é este, caso queiramos permanecer numa prisão lotada com n personagens, que lá fora não souberam respeitar a liberdade alheia, temos que as aceitar tal como elas são, totalmente diferentes de nós na aparência e muitas vezes na sua humanidade. Tom Fontana, criador da série, a HBO e todos os guionistas envolvidos merecem todos os elogios que se lhes possam fazer em relação a Oz, porque foi, e é, um verdadeiro trabalho de músculo, inteligência e sanidade. Aguentar em tão reduzido espaço (e daí a importância dele) dezenas de intrigas e conflitos, nunca maçadores e quase sempre credíveis, é de tirar o fôlego. Muita dessa urgência deve-se à realização dos episódios que parecem herdeiros dos filmes de série b de prisões. Câmara muito próxima das personagens, efeitos especiais manhosos (maioritariamente nos flashbacks, o que faz todo sentido, já que aquilo não era bem sair da prisão), e a exploração da violência como clímax na maior parte das situações. E, claro, os personagens e os actores… tremendo casting. Alvarez, Burr, Saiid, Beecher, Keller, Hoyt, Adebisi, Schillinger, McManus, O’Reilly, Leo Glynn, etc, etc, etc. Vénias e mais vénias.
Oz é também, e sobretudo, um grandioso esforço sobre a abolição da intolerância, do racismo, dos “limites” do humano. Fazê-lo numa prisão, nicho de marginais e foras-da-lei, torna a ambição mais desmesurada.
Anos mais tarde, após o início de Oz, a HBO começou a produzir os Sopranos. E se os Sopranos estenderam em muito os limites da ficção televisiva mainstream americana muito o devem a Oz que, andando no limiar da imoralidade e da brutalidade (e resvalando para lá, por vezes), raras vezes pareceu gratuito.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
When the levees broke – 2007
Este Joint de Spike Lee, co-produzido para a cadeia televisiva HBO, tem como subtítulo A requiem in four acts. Os 4 actos, 4 episódios de uma hora cada, têm a função de nos mostrarem 4 diferentes etapas das consequências do furacão Katrina que desfigurou Nova Orleães. Filme essencialmente estruturado em entrevistas às mais variadas pessoas que, de uma forma ou de outra, estiveram ligadas ao acontecimento, imagens de arquivo, essencialmente televisivas, e imagens recolhidas pelo próprio no local, Lee faz um apanhado das diferentes fases das consequências do furacão naquela cidade.
O primeiro acto é dedicado às memórias pré Katrina. Composto maioritariamente por entrevistas e imagens de arquivo Spike Lee faz um retrato da cidade, e das gentes, quando lhes soou o alarme da vinda do furacão. O que torna este acto o mais emotivo dos 4 porque as entrevistas ocorreram, como é óbvio, após a catástrofe. Conseguimos ler nos rostos das pessoas, ao recordarem-se do que lhes aconteceu antes da chegada do furacão, a perda, o sofrimento, o recorrente there’s no place like home, que lhes afecta naquele momento. Muitos não se preveniram por casmurrice, outros por falta de meios, mas o que trespassa realmente em todos eles é a dor de saber que houve um antes.
O segundo acto dedica-se ao momento imediatamente a seguir à calamidade. As imagens de arquivo das inundações, os mortos abandonados, etc. É o acto mais chocante, aquele em que nos é arremessado à cara aquilo que a televisão não mostra. É certo que a maioria das imagens é de origem televisiva, mas Spike Lee não tem que se preocupar com horários prime time ou de outra ordem. As consequências do furacão foram chocantes, o que torna mais agonizante o abandono inicial a que aquelas pessoas foram deixadas, não só por parte do governo mas de n entidades, começando pelas responsáveis pelo dique que cedeu inundando quase toda a cidade.
O terceiro acto ocupa-se das primeiras acções consequentes por parte do governo de Bush. É neste acto, e no anterior, que Spike Lee mais escarafuncha na ferida. E fá-la sangrar. O inicial virar da cara de Bush é tão incómodo quanto o início das suas acções porque, muitos o dizem, teve que as tomar por já não ser possível virar mais o pescoço. Há famílias separadas, há motins constantes, há ruas devastadas, há mortos nas ruas, etc. Tudo por fazer.
O quarto acto ocorre passado um ano do Katrina, época do Mardi Gras. Os avanços para a reconstrução da cidade ainda são escassos, a burocracia é muita, os seguros esquivam-se como podem, a construção de um novo dique não é consensual, etc. Viraram a cara enquanto puderam mas não evitaram a sua desfiguração. A cidade com a mais pujante vitalidade negra norte-americana já não é reconhecível por aquelas gentes. Nova Orleães morreu, que se faça então o funeral.
Todos os actos fluem sob a emotiva/fantástica banda sonora de Terence Blanchard (mas quem é que ainda não notou que ele é um dos melhores compositores de banda sonoras da actualidade?), encerrados ao som da Walking to New Orleans de Fats Domino.
Vi o filme no DocLisboa em quatro horas contínuas (ok, houve um intervalo de 15 minutos) que o tornaram mais devastador. O efeito de condensar em imagens uma tragédia real numa tela de cinema (ainda) é esmagador.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Rock Soup – 1991
Zidane, un portrait du 21e siècle – 2005
Prosseguindo…
Achei Zidane um filme estupendo (ok, sou fãzérrimo de Zidane, tão bom quanto ele só conheci o Van Basten, os outros génios são imagens de arquivo, que a mim, de certa forma, os dissocia do futebol como jogo). 17 câmaras apontadas a Zinedine Zidane acompanham-no durante um jogo, do seu então Real Madrid, contra o Villareal, captando os seus movimentos, a sua respiração, as hesitações, etc. Parece até que Zidane não está num jogo de futebol. Douglas Gordon e Philippe Parreno são os homens responsáveis por este exercício abstracto sobre o homem, Zidane, e sobre o jogo de futebol. Douglas Gordon, aliás, parece que já tinha explorado esta ideia num outro projecto seu, acompanhando um maestro “só” perante a banda. E segundo consta num comentário no imdb uma experiência semelhante já teria sido feita com George Best, outro jogador da bola (ao leme do projecto estariam outras pessoas, e teriam menos meios, certamente). Desconheço um e outro, portanto esta experiência é nova para mim. Zidane é o maestro, perante a banda de desafinados (que foram os auto-nomeados inter-galácticos), só e angustiado (ou será concentrado?) deixa-nos no final a sós, dentro do relvado, após a sua expulsão.
Lisboa dentro – 2007
Arquitectura de peso – 2007
Winners and losers - 2007
Isto deu num retrato sobre os adeptos de futebol enquanto espectadores televisivos (e sobre nós, claro está, como se diz na pequena sinopse do programa do DocLisboa). Nunca mostrando a partida em causa, Kowalski monta o seu material fugindo um pouco ao momento de euforia e da tristeza que um golo provoca, interessa-lhe mais os momentos “mortos” (até porque o jogo não foi nada de especial) onde se instala o cansaço do espectador e que despoleta nele os comentários racistas, xenófobos e outros, de outra ordem. Mas há um momento especialmente interessante, como se lembrarão Zidane agrediu Materazzi na partida, e ver expressões dos rostos de ambos os lados é muito interessante. Os italianos não querem outra coisa que não o cartão vermelho (há aqueles que pressentem algo de mais desesperado na atitude de Zidane) e os franceses não acreditam... como pôde Zidane afundar a embarcação...
Le papier ne peut pas envelopper la braise – 2006
Rithy Pahn filmou aqui um conjunto de prostitutas cambodjanas, num prédio na capital Phnom Pehn, que andam naquela vida porque é o melhor sustento para a classe baixa naquele país. Os pais entregam-nas aos chulos (ok, “empresários”) da capital, é lá que param o maior número de turistas, para que elas sustentem a família. Mas, diga-se, que as mães delas também passaram pelo mesmo, ou seja, aquilo, como todas a ratoeiras da pobreza, não passa de um ciclo vicioso.
Rithy Pahn filma-as sempre ao nível dos olhos (como os clássicos americanos) e isto implica que a câmara esteja muito próxima do chão porque elas, geralmente, são-nos apresentadas ajoelhadas, sentadas, deitadas. Drogam-se, comem, discutem, choram no chão, só se levantam quando a noite cai e o trabalho as chama. A cena das cenas é aquela em que cada uma delas beija, com batom, uma parede do prédio.
O único ponto fraco do filme tem a ver com a proximidade da câmara aos seus rostos que lhes provoca "natural" actuação. Não contesto que as memórias e os confrontos delas e entre elas sejam verdadeiros, mas a câmara demasiado próxima, muitas das vezes (nem sempre), retira genuidade à coisa.
Tirando isso o retrato é impiedoso e amoral. Se lá virmos piedade e moral é porque temos a cabeça cheia de ideias feitas e preconceitos que, claro, são os principais responsáveis para que elas ainda lá estejam.
He Fengming – 2007
Em tempos a cinemateca passou um ciclo chamado os filmes-rio (adoro este conceito), ou seja, filmes enormes, de horas, que têm de ter a fluidez exacta para que aquilo resulte. Têm que se ir instalando em nós. Este He Fengming é um excelente exemplo de filme-rio (daqueles que de tanto baterem na pedra dura, os épicos hollywoodescos, acabam por erodi-la).
A walk into the sea: Danny Williams and the Warhol Factory – 2007
O filme é maioritariamente composto por depoimentos da família de Williams, no interior rural dos EUA, e membros sobreviventes do carrossel Factory de Warhol, na urbaníssima Nova Iorque, intercalados com imagens filmadas a preto e branco por Danny Williams. As memórias da pandilha Factory sobre Danny são várias, uns dizem que nunca o viram pegar numa câmara de filmar outros que ele tinha um imenso potencial como realizador, etc. Uma coisa é certa, ele era o gajo da iluminação das produções da Factory, e o principal compositor visual do espectáculo dos Velvet Underground Exploding Plastic Inevitabel (e isto para mim já merece um memorial).
Mas o que restam das imagens por ele filmadas e iluminadas (os contrastes do preto e branco são, de facto, muito bem conseguidos), julgo, são escassas para que sejam marcantes mas, de facto, há um momento arrebatador, que a Esther Robinson usa para concluir o filme, Harold Stevenson e outro homem, loiro (desculpem-me não me recordar do nome), num momento de felicidade, em câmara lenta no contrastado preto (moreno) e branco (loiro), servem como projecção da felicidade romântica então vivida entre Williams e Warhol.
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
East of paradise – 2006
Na segunda parte do filme (há uma cisão brusca nele) é-nos mostrada a vivência (ou, lá está, a memória dessa vivência) de Kowalski em Nova Iorque. Estabelecendo um paralelo (talvez etário) entre as vivências da sua mãe com as dele, Kowalski, narrando sobre material de arquivo por si filmado, relembra os tempos de estudante de cinema, a invasão punk britânica (Kowalski fez um dos mais famosos documentários sobre a chegada dos Sex Pistols à América em D.O.A. – Dead on arrival), a sujidade das ruas, os freaks, os junkies, a pornografia, ou seja, lembra-se e mitifica Nova Iorque. Recorda-se também da morte de John Spangler, seu amigo, figura icónica desse underground, infectado com HIV, filmando-o na sua morte, no seu padecimento, e na sua vitalidade.
A cena final do filme, e principalmente o último plano, é magnífica. A mãe de Lech Kowalski fotografa-o, assim como a sua câmara (e ao seu colega de iluminação), enquanto este a filma. As fotografias tiradas por ela vão então surgindo, intercalando o material filmado por ele. No último plano ele, pondo-se ao lado da mãe (ou seja, ambos captados pela câmara de filmar), tira uma foto à câmara e o que fica é a imagem estática do que a câmara está a filmar (Lech e a sua mãe) e não o que a máquina fotográfica realmente captou. Confuso, não?… melhor: o último plano é uma imagem estática de Lech e da sua mãe captados pela câmara de filmar, como se o clique da máquina fotográfica captasse e congelasse o que a câmara de filmar capta. Como se a memória fotográfica, por momentos, equivale-se à memória fílmica… realçando mais ainda que ambas ganham uma nova dimensão quando confrontadas com a memória “orgânica” que, por fim, as organiza.
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
RRRrrrr!!! – 2004
Lembro-me de Chabat no famoso, e sobrevalorizado, Le gôut dês autres com uma actuação minimalista. Neste também anda pelo mesmo registo, o filme à volta dele é que anda todo histérico, e a certa altura lembrei-me de um Takeshi Kitano ou de um Buster Keaton num filme dos Monthy Python… é exagero meu esta extrapolação... ok, deixem-no aperfeiçoar as técnicas pythonescas e depois logo pensemos noutros horizontes.
A história do filme é mais ou menos assim: num tempo pré-histórico (faz sentido o absurdo, não sabiam contar histórias), numa povoação onde todos se chamam Pierre, ocorre um assassinato que desencadeia uma investigação levada a cabo pelos nativos. A isto junte-se uma rivalidade entre povoações, a que tem o segredo do champô e a que não tem, e já está. O resto são piadas atrás de piadas, non sense atrás de non sense, e no final partimos para outra.
The Lookout – 2007
Ao contrário da geração de 90 (Spike Lee, Quentin Tarantino, Wes Anderson, Hal Hartley, Larry Clark, etc, que se caracterizavam por ter um cinema extremamente pessoal, cinéfilo, é certo, mas quase intransmissível) esta geração está mais interessada em olhar para o alheamento dos jovens indivíduos como algo trágico (os de 90 não eram tão pessimistas). Apesar disso nenhum deles chega aos limites formais, abstractos e sem ponta de julgamento de um Larry Clark ou um Gus Van Sant, pois estão mais interessados em integrar nos seus filmes um enredo intricado e cheio de complexidades que acabam por se desviar do essencial.
É claramente aí que a minha afinidade com o filme falha, porque a certa altura é forçada a entrada da intriga hollywoodesca (e aqui se vê a clara diferença entre a geração anterior dos independentes e a actual, que muitas vezes, têm a chancela dos grandes estúdios americanos… porque afinal estes filmes sempre têm um mercado.) Numa época em que as reflexões de Gus Van Sant e a implacabilidade moral de Larry Clark ditam regras, aquilo tudo soa-me a conversa da tanga.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
Ascenseur pour l’échafaud – 1958
Alicerçado nos arquétipos do filme noir americano Malle opta por subvertê-lo sem nunca escamotear o gozo que isso traz. A loira madame Carala (a já fenomenal Jeanne Moreau), chorando ao telefone, suplica a Julien Tavernier (Maurice Ronet) que faça, naquele dia, o golpe que planearam e mate o patrão deste, seu marido, monsieur Carala. Assim é. Julien, com artefactos no seu escritório e técnicas à super espião, executa o plano quase sem mácula. No carro é que se apercebe que ainda há uma prova a eliminar. Volta atrás. Quando sobe no elevador para o seu escritório este pára por corte de energia. Ali fica ele praticamente todo o filme.
Na rua um jovem casalito de classe baixa, ela, morena, fascinada com o glamour à lá espião de Julien, ele fascinado com o seu carrão, metem-se ingenuamente no seu carro e põem-se on the road. Road essa que os leva ao assassínio e ao pânico de se sentirem perseguidos por polícias.
A madame Carala julga Julien fugido, cobarde e infiel, desconhecendo que ele ficara preso no elevador, pois o carro dele passara por ela a grande velocidade com a jovem morena dentro e um vulto de homem. Madame Carala deambula então por Paris ao som da sua interrogatória e monocórdica voz de consciência e ao som do trompete de Miles Davis (icónica, famosa e cooooool banda sonora).
No final lá se desmaranha o trágico novelo narrativo e o que fica, e se sobrepõe, é a deliciosa subversão dos lugares comuns do filme noir. Ora a femme fatale, a loira madame Carala, apesar de ser aquela que despoleta o crime, é também aquela que trará maior densidade psicológica ao filme com a sua voz off a ecoar e a desconfortar (geralmente essa voz é atribuída aos homens). O homem assassino passa o filme impotente, em silêncio, preso no elevador. É então o casal de jovens inconscientes que traz o sangue e vertigem ao filme, roubando, matando e dissimulando (como se estivessem a viver num filme, mas atormentados com isso). E o facto da jovem morena, a femme maternal (são sempre elas que acalmam os corações rebeldes masculinos), se sentir conivente nos crimes do seu par (ela quer que se escreva nos jornais, quando forem apanhados e mortos, o título “os amantes trágicos”) soa-me a subversão.
Portanto Louis Malle, neste filme, põe em Paris quatro arquétipos do filme noir americano e nenhum deles se sente confortável com o papel que lhe coube (estão noutro país, noutra cultura, onde as estradas não se estendem para sempre, têm que andar às voltinhas). Logo, os quatro, sentem que terão um fim trágico, como nos filmes noir.
sábado, 13 de outubro de 2007
Coffy – 1973
Coffy surge-nos inicialmente como uma badassssssssss prostituta que arruma dois “pequenos” traficantes, causadores directos do internamento vegetativo da sua irmã, mas logo de seguida é-nos mostrada a sua verdadeira face. Coffy não passa de uma frágil enfermeira que tenta viver melhor com a memória da sua infeliz irmã. Não vive essa dor sozinha, tem a companhia do seu amigo de infância, o agora polícia. Polícia íntegro, pois expressa-se (e actua em conformidade) várias vezes sobre os problemas na sociedade afro-americana. E um dos problemas que mais aflige essa comunidade é o facto de os brancos, por trás, manipularem os chefes pretos, sejam eles políticos, traficantes, etc.
Certa altura Coffy envolve-se com o candidato a senador que lhe diz defender os mesmos ideais que ela. Apaixona-se então por ele. Entretanto o polícia, demasiado íntegro, é espancado por um par de capangas com a conivência dos seus colegas polícias. Coffy “in rage” vai então encetar uma vingança que, começará por baixo (um poderoso chulo, mas não tão poderoso como pensa) até chegar ao topo onde encontrará o seu namorado e candidato a senador. Pelo meio encontrará, de facto, um grupo de homens brancos que manipulam os poderosos homens pretos. Mas, mais grave que isso, o que Coffy descobre é um grupo de homens que controlam uma sociedade machista e misógina, consequentemente racista e segregadora.
Para o fim Coffy ainda quer acreditar que o namorado a ama (apesar dele a ter mandado matar, à sua frente, anteriormente – o que reforça, algo ingenuamente, a face frágil de Coffy e não a faceta badasssss, que de quando em vez surge). Mas ele ama-a tanto como a lourinha que o aguarda no quarto. No fim Coffy, frágil como sempre, caminha só pela praia. A vingança fez-se, a mulher desmoronou-se.
Isto tudo num filme funky, com banda sonora a cargo de Roy Ayres (para quem não sabe, é Grande – e parece que vem ao Casino de Lisboa um dia destes…), carros monstruosos (que ocupavam o scope inteiro, pareciam tubarões nas estradas), armas grandalhonas (carros e armas, objectos fálicos, que Coffy usará como armas de morte contra os homens, o último morrerá de falo desfeito (as mulheres levam porrada corpo a corpo, numa cena memorável, onde todas ficam de mamas ao léu), afros gigantes, cores berrantes, vocês sabem… estamos nos tempos dos funky pimps, etc.
Coffy é um entretenimento consciente, com um final desolador, e com uma grande mulher ao leme. Ainda estou para saber o que é melhor que isto (à excepção de Foxy Brown, também de Jack Hill, claro está).
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
Enter the Dragon - 1973
Como quase todas as produções da máquina de Hollywood há sempre algo que se perde. E perde-se mais quando não há um excelente realizador por detrás da coisa. Robert Clouse não me parece ser especialmente dotado - safou-se como pôde - e fez um típico filme dos seventies americano - demasiado americano - adicionando-lhe a prática de kung-fu. Psicadelismos, cores berrantes (parece que depois dos seventies nunca mais Hollywood quis pintar uma tela de cinema), scope, etc. Tudo está cá aliado a uma trama à James Bond - então em alta - com um agente infiltrado num lugar exótico para derrubar um tirano megalómano. Lee (Bruce Lee, e o facto de o nome da personagem ser esse parece-me reforçar o empenho pessoal no projecto) é o James Bond de serviço, que se vai ver infiltrado num torneio de kung-fu, com alguns dos melhores lutadores do mundo, numa ilha apátrida, de um só dono Han (Kien Shih). É então enviado para lá porque, tanto a polícia como os monges de shaolin, têm fortes suspeitas de que Han anda a tramar algum esquema ilegal. E assim é: o torneio é um pretexto para angariar pessoal de confiança que possa exportar ópio para as mais diversas paragens do globo.
No seu todo é um óptimo filme de kung-fu, não é contudo um Way of the Dragon nem um Game of Death, e bem merece que o dignifique, nem que seja pela imensa admiração que tenho por Bruce Lee.
Du Rififi chez les hommes – 1955
A história é mais ou menos assim. Toni “Rififi” le Stéphanois (Jean Servais, grande actor entre grandes actores, o elenco é fabuloso incluindo o próprio Jules Dassin sob o pseudónimo Perlo Vita) fora, antes de ter estado encarcerado, um dos mais perspicazes ladrões de Paris. Agora, arredado dessa vida, é um homem viciado na má vida, que lhe dá com os pés e que o sobrecarrega de dívidas. A certa altura é aliciado por dois compinchas – mais tarde virá o terceiro - para participar num golpe a uma ourivesaria. Ele aceita, já que nem dinheiro nem mulher tem (a primeira cena dele com ela é fabulosa). Planeiam e fazem o golpe (os 30 min. de perfeição). Na última parte do filme Grutter dono do bar L’âge d’or, onde trabalha Mado (Marie Sabouret), interesse amoroso de Toni, descobre quem fez o golpe e tenta chantageá-los, raptando o filho de um deles. Toni moralmente, até por que é padrinho da criança, sente-se obrigado a resgatá-la.
Todos deixam de viver – não é um spoiler, aliás isto é um film noir (tal & qual, à francesa e tudo) – quando elas deixam de acreditar neles. Não se pode falar em traição (excepto num caso, o de César, que não a ama), elas é que os amavam tanto quanto eles as amavam.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
Fay Grim – 2006
Primeiro: Parker Posey é um espanto de mulher. Parker Posey é Fay Grim e, portanto, é 90% do que foi filmado – não do filme, if ya know what i mean, buddy – o que por si só eleva bastante a qualidade do material. Resto: tem graça que Hartley disse que é normal nos melhores filmes policiais, ou de espionagem ou o raio que o valha, as personagens – e consequentemente o espectador - às tantas já não saberem às quantas andam. E de facto isso aconteceu-me no filme (e acontece-me nos policiais em geral, frequentemente) mas, ao contrário do que me acontece noutros, mais cedo ou mais tarde quero perceber o que se me escapou, ou pelo menos ficar intrigado com isso. Mas em Fay Grim isso não me aconteceu. Perdi o fio à meada e às tantas já nem isso me interessou, fiquei-me pelos planos de Posey.Uma coisa é certa, e de muito boa construção, a gravidade que se vai sedimentando ao longo do filme - objectivo de Hartley – foi plenamente cumprido. Fay Grim inicialmente surge-nos como uma irresponsável mãe, que faz flirts com polícias e homens mais velhos, que nada sabe sobre o que se passa para além do seu bairro, vai-se ver envolvida numa conspiração de tal ordem e medida, que já nem cabe nos E.U.A., e lhe vai retirando o humor e acentuando-lhe a gravidade. Neste aspecto, reforço, o filme demonstra alguma mestria. De resto pouco, ou nada, me interessou, além de Posey. Lá vou eu tentar rever o Simple Men, Trust, e Amateur, e já agora ver o Henry Fool (porque se calhar é mesmo necessário), pois Hal Hartley foi (e voltará a ser, caramba!) grande.
Planet Terror - 2007
A história é, mais ou menos, isto: Bruce Willis matou Bin Laden e, por isso, foi descarregado sobre o exército norte-americano, então em missão no médio oriente, uma arma química manhosa, que os transforma numa espécie de zombies. Quando o exército volta à pátria começa a procurar uma cura para a coisa. Encontram um cientista (árabe, diga-se) que está-se pouco importando para o dilema deles e explode o recipiente químico pelos ares que, em poucos minutos, infectará o Texas (!) inteiro. Depois um grupo de improváveis sobreviventes, os heróis da história, tentam salvar o couro escapando para o México (sim, a sombra política de Romero anda por aqui, mas sem a sua acutilância).
O filme tem momentos soberbos, a cena inicial da go-go dancer, e futura (e é, de facto, uma delícia) one-leg-machine-gun, Cherry Darling (Rose McGowan em grande forma, é a melhor coisa do filme) merece a futura compra, em saldos, do dvd; aquele(s) plano(s) do decote da Fergie também merece a futura compra do dvd, seja em saldos ou não; as esgrouviadas cenas finais onde tudo é filme e tudo literalmente queima (incluindo a fantástica cena de sexo e o coito interrompido da missing reel); os olhos da lésbica Dr. Block (Marley Shelton muito bem maquilhada), etc etc etc. Há, na verdade, muitas coisas boas para uma agradável noitinha no cinema. E uma delas, ia-me esquecendo, é o trailer do Machete: gajos feios, gajas boas e falta de juízo.
Ok… pensavam que não iria fazer comparações com o Death Proof? É inevitável, não só por a sua origem ser comum como também o é o seu fim (ambos têm finais femininos, you know, the she-world).
Planet Terror é muito mais esgrouviado que a parte de Tarantino, contudo, no seu todo, não o achei mais conseguido que o outro. Parece-me que, em ambos, poderia haver muito mais economia narrativa, não tendo ainda visto “a experiência” Grindhouse tal como foi concebida, estou até em crer que estas novas montagens, para mercado europeu, vieram prejudicá-los. Como ia dizendo, concordo que este Planet Terror está mais próximo de uma experiência xunga que Death Proof (Tarantino, acreditem ou não, leva-se demasiado a sério... e sai-se bem, pois sabe que já não adianta fazer tha real thing... os tempos são outros), no entanto, além do ponto em que Rodríguez quer acentuar a ingenuidade da experiência, há outro em que perde para o seu par: a simplicidade. Tarantino, ainda que com conversa a mais (lá está a montagem europeia – e se calhar nesta montagem europeia vs. montagem americana encerra-se a questão fundamental, afinal de contas o produto é típico americano), desenvencilha-se melhor de sub-enredos (em que ele é mestre), ao contrário de Rodríguez que perde-se neles à custa de n personagens sem qualquer densidade e com demasiado tempo de antena.
E depois também não tem a mestria de Quentin em dar densidade “more than meets the eye” aos seus filmes. Não concordo que os exploitations sejam filmes rasos sem qualquer interesse para além da sua fruição. Os melhores exploitations são dos melhores filmes que já se fizeram (vejam o meu post anterior), claro que encapotados por elementos sexuais, violentos, e outros que tais, para melhor venderem. Apesar de nem achar Death Proof o melhor filme de Quentin, é sem dúvida um filme mais refinado (palavra mais absurda, mas julgo que correcta, para caracterizá-lo) que o de Robert Rodríguez. No entanto Rodríguez fez mais e melhores planos no seu filme que Tarantino… e acabaram-se as comparações que isto não leva a nada. Ambos merecem a nossa atenção, mais que todos aqueles que, este ano, serão nomeados à categoria de melhor filme estrangeiro pela academia.
domingo, 7 de outubro de 2007
MS .45 - 1981
Daqui por diante, e após se sentir confortável ao premir o gatilho da .45, Thana andará pelas ruas nova-iorquinas matando o sexo oposto, mais precisamente, aqueles que exibirão apetite sexual. De inicial figura angelical torna-se em vingativa figura sexual.
No final, mascarada de freira numa festa Halloween, irá matar o seu chefe, que a aliciara sexualmente, e será morta, penetrada por uma faca, por uma colega por quem ela sentira alguma atracção. Colega essa que, ao longo do filme, manda à fava pelo menos um gajo mais atrevido. Esse final é de estalo: Thana incrédula, de .45 em riste, não acredita que foi penetrada pela colega, que parecia partilhar com ela a mesma visão. De estalo porque nesse momento ela chora, apercebendo-se que entretanto perdera a alma.
Geralmente é dito que na génese deste filme está Death Wish (e na génese de ambos estará Taxi Driver, digo eu), de Michael Winner com Charles Bronson, e concordo plenamente. Contudo a impiedade moral de Ms .45 é bem mais forte. Paul Kersey (Bronson) perdia a família (numa sequência também ela violenta) não perdia a alma. O seu único propósito tornou-se a vingança, o propósito de Thana, pelo contrário, era ingénuo, recuperar o irrecuperável, a virgindade. Ambos não conseguem o objectivo, mas a freira, à morte, pelo menos chorou (lembremo-nos do final de Bad Lieutenant)... o outro...? bem, o outro originou umas quantas sequelas cinematográficas.
sábado, 6 de outubro de 2007
China, China – 2007
O filme é encantado: disparam-se armas e ninguém morre, como nos filmes de John Woo, salta-se e dança-se em cima da cama, que sobrevoa o skyline nova-iorquino em fundo, e esta não parte, etc. Mas o final trás a tragédia. China, ao contrário de Dorothy, não retorna a casa no final…
Tian bian yi duo yun (aka Wayward cloud) – 2005
Dizia eu, no post sobre o Cypher, que geralmente aprecio os realizadores com mais cuidados nas cenas que nos planos. Pois bem Ming-liang é um realizador que quebra este meu ponto de vista (talvez daí o meu desconforto), para ele um plano é uma cena, e uma cena um só plano (e quando são mais, muito raro, são “simétricos”). A câmara não se move, os planos são geralmente picados e contra picados (os filmes dele são demasiado oblíquos), os diálogos quase não existem e quando surgem parecem irrelevantes. O ritmo dos seus filmes é de difícil assimilação mas, depois de tomarmos o seu pulso, tornam-se hipnótico (nas melhores cenas, claro). No entanto o que mais me fez entusiasmar neste filme terão sido os números musicais que, como já disseram (de forma depreciativa) e concordo, se tornam válvulas de escape à sua austeridade formal.
O filme relata simplesmente o reencontro amoroso entre dois jovens de Taiwan. Ela (Chen Shiang-chiy) de desejos sexuais reprimidos ele (Lee Kang-sheng, actor fétiche de Ming-liang) actor porno. A melancia (ela) e a água (ele) são os elementos afrodisíacos, e metafóricos, dos seus desejos.
Nos números musicais – o isco que me atraiu - são bons (e montados com vários planos, é o ritmo estúpdio, é Hollywood) há um que destaco: o da aranha, da viúva negra, que - trocadilho foleiro - arranha. Mas há outros momentos, extra-musicais, fantásticos no filme (que me reabilitam o interesse nas obras mais aclamadas de Ming-liang), o festim de lagostim – mórbido -, a casa de banho cheia de garrafas de água – desejos no w.c., todos sabemos o que isso é -, os bastidores das cenas porno – a falta de desejo no w.c., poucos saberão o que isso é -, etc, etc, etc (há muitos planos bonitos no filme).
Mas o ponto alto, a cena das cenas, o plano dos planos, o clímax - o momento de suspensão da respiração - é do camandro. E todos engolem em seco, só ela é que não mas, repito, todos engolem. Como nunca viram, spoiler: FELLATIO!
sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Invasion of the body snatchers – 1956
Dr. Miles Bennell (Kevin McCarthy) é o doutor retornado à terreola que o viu nascer. Voltou por desgosto amoroso, e lá reencontra a sua namoradinha de infância Becky Driscoll (Dana Wynter). Claro está que mais minuto menos minuto estará um nos braços do outro – estamos no período clássico de Hollywood, querem o quê? Mas com a chegada do retornado vêm também queixas de pessoas que dizem que familiares e vizinhos já não são quem eram. Têm a aparência mas já não têm a alma, as emoções e os feitios que supostamente os caracterizariam. Depois de várias hipóteses levantadas pelo médico e psiquiatra descobrem que algo de terrível brota do solo de cidade e que replica os seus cidadãos.
Siegel nunca nos explica cabalmente a origem dos invasores que se parecem com couves e que, com qualquer efeito espumante, expelem corpos humanos das entranhas para substituir as pessoas que depois, de qualquer modo, são aniquiladas. E é essa substituição que me fascina… porque é que os substituem? Neste filme, assim como na versão de 1993, a “substituição” ocorre aos olhos deslocados. Isto é uma parábola sobre um o retornado Dr. Bennell que quando chega à sua terra natal vê tudo, naturalmente, diferente, nada é como era, nem a namoradinha Becky é a mesma. Daí o seu pânico e desnorte. Todos, aos poucos, vão sendo apanhados e, curiosamente, coincide com o aprofundar das suas relações com eles. Isto é, a visão que ele mantém deles já não coincide com a actual, pois já o tratam como homem e como médico. Pormenor, se calhar errado mas fiquei com essa sensação, a ameaça os invasores são nos quase sempre mostrados em segundo plano, como se o Dr. Bennell estivesse também ele fora do plano, aliás ele não só é o narrador como também o filtro ao nosso preconceito.