terça-feira, 13 de novembro de 2007
Rescue Dawn
O que é espantoso no filme, além das excelentes actuações do trio Bale, Zhan e Davies, é a forma como Herzog usa a câmara, mais concretamente as panorâmicas. Tirando a parte central do filme, centrada no campo prisional, onde ocorrem as mais importantes elipses temporais do filme (o desgaste nas personagens é notório, e notável em subtileza, de cena para cena), as partes que ensanduicham esse centro correspondem ao olhar subjectivo da floresta sobre Dieter. E, a espaços, o olhar de Dieter sobre a floresta. Após o escape há uma cena espantosa: depois de uma longa caminhada, Dieter, arrastando aos ombros Duane, pára a certa altura e exclama algo como “Look, it’s a village!”, Duane olha em redor e o desalento diz “It’s just forest”, a câmara, numa panorâmica, dá-nos a ver a razão da exclamação de um e do desalento do outro. Estão ambos correctos, o velho dilema optimismo pessimismos (dilema Dieter Herzog?) A força da cena faz-me lembrar que, até ali, o filme já nos deu outras panorâmicas (se não panorâmicas outros planos sequência semelhantes) que não serão só descritivas mas sim estados de espírito. Pouco a ver com o universo de Malick, apesar de não o rejeitar, repare-se na cena em que Dieter vê Duane, já morto, entre a densa folhagem, Herzog é um pragmático. Contudo nunca anula o olhar do seu protagonista. Little Dieter sonha em voar (os americanos aproveitaram-se desse sonho para o pôr a combater), e isso implica sobreviver cá em baixo.
Heartbreak Kid
Ben Stiller, habitué nestas coisas, continua a ter classe nas típicas banalidades narrativas dos Farrelly. Mas com essa banalidade os Farrelly já fizeram grandes comédias. Contudo as piadas, apesar de até ter algumas bem esgalhadas (a ‘blonde pussy with a life of her own’ é a rainha delas), na maioria já não têm a frescura necessária.
Apesar do deslize, até porque o filme não é tão mau quanto isso, eu ainda deposito nos Farrelly Bros. alguma esperança, porque, para além da comédia americana precisar urgentemente de alguma iconoclastia, foram eles que deram ao descontrole do agora moribundo Jim Carrey o melhor dos rumos.
domingo, 11 de novembro de 2007
Highwaymen – 2003
Never say… never mind – 2001
Elas são a verdadeira mão que estabelece a ordem (James Bond anda nisto à anos e não sai da cepa torta, aliás parece que só piora as coisas) com os seus gadgets temíveis (telemóveis que lançam raios provocadores de náuseas e vómitos) e poder de sedução estonteante (garanto-vos que a mais heterossexual das mulheres não resistiria aos seus charmes, ok, a Erika tem os seus defeitos fora de uma discoteca fumarenta às 3 da manhã mas é só...) O mundo está a salvo… se não o mundo pelo menos a hora e meia de filme.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Rubber Johnny – 2005
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
.45 – 2006
Não há muito para contar para além deste resumo. É um filme com mais ambição que força dramática. Ao contrário do que se tem dito por aí (incluindo o Paulo Portas) não achei a interpretação de Milla Jovovich nada de especial, contudo concordo que ela na cena de violência doméstica vai muito bem, e a cena no geral é muito boa, de gelar o sangue, ou pelo menos torná-lo um pouquito mais espesso.
Dentro dos filmes de vingança feminina o The Brave One vai melhor. Gary Lennon, o realizador do filme, para a próxima que implore ao produtor a Jodie Foster, e assim pelo menos terá um terço do filme feito.
The Brave One – 2007
Erica Bain, contudo, não deixou esvaziar a sua moralidade, ela sente que o que faz não é correcto. Fá-lo por medo, por instinto básico, por sanidade. Quando se confronta com o detective Sam Mercer (Terrence Howard) só não se descose toda porque, na sua natureza, o instinto de sobrevivência vem ao de cima. Erica tem consciência dos seus actos e sabe que a sua moral permanece correcta mas nada pode contra os seus instintos básicos.
O grande erro de Neil Jordan, realizador, foi ter filmado uma cena que descredibiliza muitas que depois a sucedem. Erica Bain, pouco após ter acordado do coma, com escoriações na face e de olhar acossado, responde à frase feita ‘eu sei o que deve estar a sentir’, do polícia que a interroga, com um ríspido ‘do you?’. E na cena seguinte, mais coisa menos coisa, Neil Jordan aparece-nos a fazer uns efeitos de câmara simulando efeitos de vertigem num corredor, vemos e ouvimos o ‘fantasma’ do namorado de Erica sentado à cama, há até uma cena de sexo fantasiada. E eu que na excelente cena do ‘do you?’ pensei que Jordan iria optar por um retrato frio daquela personagem…
Agora diga-se Jodie Foster é excelente, sempre foi, pelo menos no retrato das mulheres “masculinizadas”, a profissão de Erica Bain, e o seu programa, é um achado (seria seu ouvinte certamente), o poster do filme à lá 70’s é um dos melhores do ano (tanto este que vos mostro como aquele que chegou a Portugal), e o plano final é também muito bom (eu tenho um fascínio por planos finais, tenho para mim que deve ser o plano mais difícil de escolher/encaixar num filme). Ela com o cão passa, de noite, pelo túnel que viu morrer o seu namorado. Erica ‘reconciliou-se’ com a sua ‘nova’ paixão, Nova Iorque ('nova' porque há uma Nova Iorque antes e depois da agressão.)
Petrified Forest – 1936
Duke Mantee (grande nome de personagem, grande Bogart que tem um close-up semelhante ao do John Wayne no Stagecoach, de John Ford, vocês sabem daqueles que faziam deles estrelas) é, na primeira parte do filme, notícia. Fugiu da prisão ajudado por três rufias. Na segunda parte também vai parar à estação de serviço onde, além de fazer reféns um punhado de personagens, incluindo Alan e Gabrielle, esperará a chegada da sua namorada, para juntos atravessarem a fronteira para o México.
Alan propõe então a Duke, na ausência de Gabrielle, que o mate. Afinal de contas ele já encontrou a razão “worth to dying for”, e com as notinhas do seu seguro de vida pode pagar a viagem de sonho a Gabrielle. É certo que o argumento é demasiado rebuscado (e o Leslie Howard não convence) mas eu, da Hollywood clássica, papo quase tudo, especialmente porque os argumentistas daquele período sabiam-na toda.
Reparem só, Duke Mantee enquanto espera e espera pela namorada ouve as mais variadas histórias dos reféns, o gajo que quer namorar com Gabrielle, e que ela o despreza por ser demasiado redneck, o avô de Gabrielle que vive fascinado com os fora-da-lei, um casal de ricaços com um casamento de fachada, o pai de Gabrielle, homem íntegro, de princípios impolutos, e especialmente o romantismo e pragmatismo exacerbado de Alan, além de também ter que levar com as conversas dos seus colegas rufias. Quando no final Duke se apercebe que o estamine está rodeado de polícias e que a sua namorada, muito provavelmente, o denunciou, ou pelo menos as vozes dos seus colegas rufias assim o dizem, Duke hesita em atirar sobre Alan, afinal de contas ele é o único ali que pode viver um romance decente. Mas este impede-o de escapar se não o fizer e, num momento de amargura, Duke atira sobre Alan. Basta este momento para me convencer que estou a ver grande cinema. Artificioso até à medula, no argumento e até na linha do horizonte, que é de papelão, mas genuíno nas emoções e nos conflitos.
Naquele tempo, sem grandes artifícios, aliás, por falta deles, aguentavam com uma perna atrás das costas quase todo um filme dentro de uma gas station, isto deveria incomodar e muito os argumentistas actuais, que agora parecem estar em greve... do mau o menos...
Ahhh... já vos disse que Duke Mantee é nome para ser tatuado na língua?
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Oz – 1997-2003
Raras a vezes somos levados para fora da penitenciária Oswald “Oz”, portanto, e o princípio da série é este, caso queiramos permanecer numa prisão lotada com n personagens, que lá fora não souberam respeitar a liberdade alheia, temos que as aceitar tal como elas são, totalmente diferentes de nós na aparência e muitas vezes na sua humanidade. Tom Fontana, criador da série, a HBO e todos os guionistas envolvidos merecem todos os elogios que se lhes possam fazer em relação a Oz, porque foi, e é, um verdadeiro trabalho de músculo, inteligência e sanidade. Aguentar em tão reduzido espaço (e daí a importância dele) dezenas de intrigas e conflitos, nunca maçadores e quase sempre credíveis, é de tirar o fôlego. Muita dessa urgência deve-se à realização dos episódios que parecem herdeiros dos filmes de série b de prisões. Câmara muito próxima das personagens, efeitos especiais manhosos (maioritariamente nos flashbacks, o que faz todo sentido, já que aquilo não era bem sair da prisão), e a exploração da violência como clímax na maior parte das situações. E, claro, os personagens e os actores… tremendo casting. Alvarez, Burr, Saiid, Beecher, Keller, Hoyt, Adebisi, Schillinger, McManus, O’Reilly, Leo Glynn, etc, etc, etc. Vénias e mais vénias.
Oz é também, e sobretudo, um grandioso esforço sobre a abolição da intolerância, do racismo, dos “limites” do humano. Fazê-lo numa prisão, nicho de marginais e foras-da-lei, torna a ambição mais desmesurada.
Anos mais tarde, após o início de Oz, a HBO começou a produzir os Sopranos. E se os Sopranos estenderam em muito os limites da ficção televisiva mainstream americana muito o devem a Oz que, andando no limiar da imoralidade e da brutalidade (e resvalando para lá, por vezes), raras vezes pareceu gratuito.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
When the levees broke – 2007
Este Joint de Spike Lee, co-produzido para a cadeia televisiva HBO, tem como subtítulo A requiem in four acts. Os 4 actos, 4 episódios de uma hora cada, têm a função de nos mostrarem 4 diferentes etapas das consequências do furacão Katrina que desfigurou Nova Orleães. Filme essencialmente estruturado em entrevistas às mais variadas pessoas que, de uma forma ou de outra, estiveram ligadas ao acontecimento, imagens de arquivo, essencialmente televisivas, e imagens recolhidas pelo próprio no local, Lee faz um apanhado das diferentes fases das consequências do furacão naquela cidade.
O primeiro acto é dedicado às memórias pré Katrina. Composto maioritariamente por entrevistas e imagens de arquivo Spike Lee faz um retrato da cidade, e das gentes, quando lhes soou o alarme da vinda do furacão. O que torna este acto o mais emotivo dos 4 porque as entrevistas ocorreram, como é óbvio, após a catástrofe. Conseguimos ler nos rostos das pessoas, ao recordarem-se do que lhes aconteceu antes da chegada do furacão, a perda, o sofrimento, o recorrente there’s no place like home, que lhes afecta naquele momento. Muitos não se preveniram por casmurrice, outros por falta de meios, mas o que trespassa realmente em todos eles é a dor de saber que houve um antes.
O segundo acto dedica-se ao momento imediatamente a seguir à calamidade. As imagens de arquivo das inundações, os mortos abandonados, etc. É o acto mais chocante, aquele em que nos é arremessado à cara aquilo que a televisão não mostra. É certo que a maioria das imagens é de origem televisiva, mas Spike Lee não tem que se preocupar com horários prime time ou de outra ordem. As consequências do furacão foram chocantes, o que torna mais agonizante o abandono inicial a que aquelas pessoas foram deixadas, não só por parte do governo mas de n entidades, começando pelas responsáveis pelo dique que cedeu inundando quase toda a cidade.
O terceiro acto ocupa-se das primeiras acções consequentes por parte do governo de Bush. É neste acto, e no anterior, que Spike Lee mais escarafuncha na ferida. E fá-la sangrar. O inicial virar da cara de Bush é tão incómodo quanto o início das suas acções porque, muitos o dizem, teve que as tomar por já não ser possível virar mais o pescoço. Há famílias separadas, há motins constantes, há ruas devastadas, há mortos nas ruas, etc. Tudo por fazer.
O quarto acto ocorre passado um ano do Katrina, época do Mardi Gras. Os avanços para a reconstrução da cidade ainda são escassos, a burocracia é muita, os seguros esquivam-se como podem, a construção de um novo dique não é consensual, etc. Viraram a cara enquanto puderam mas não evitaram a sua desfiguração. A cidade com a mais pujante vitalidade negra norte-americana já não é reconhecível por aquelas gentes. Nova Orleães morreu, que se faça então o funeral.
Todos os actos fluem sob a emotiva/fantástica banda sonora de Terence Blanchard (mas quem é que ainda não notou que ele é um dos melhores compositores de banda sonoras da actualidade?), encerrados ao som da Walking to New Orleans de Fats Domino.
Vi o filme no DocLisboa em quatro horas contínuas (ok, houve um intervalo de 15 minutos) que o tornaram mais devastador. O efeito de condensar em imagens uma tragédia real numa tela de cinema (ainda) é esmagador.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Rock Soup – 1991
Zidane, un portrait du 21e siècle – 2005
Prosseguindo…
Achei Zidane um filme estupendo (ok, sou fãzérrimo de Zidane, tão bom quanto ele só conheci o Van Basten, os outros génios são imagens de arquivo, que a mim, de certa forma, os dissocia do futebol como jogo). 17 câmaras apontadas a Zinedine Zidane acompanham-no durante um jogo, do seu então Real Madrid, contra o Villareal, captando os seus movimentos, a sua respiração, as hesitações, etc. Parece até que Zidane não está num jogo de futebol. Douglas Gordon e Philippe Parreno são os homens responsáveis por este exercício abstracto sobre o homem, Zidane, e sobre o jogo de futebol. Douglas Gordon, aliás, parece que já tinha explorado esta ideia num outro projecto seu, acompanhando um maestro “só” perante a banda. E segundo consta num comentário no imdb uma experiência semelhante já teria sido feita com George Best, outro jogador da bola (ao leme do projecto estariam outras pessoas, e teriam menos meios, certamente). Desconheço um e outro, portanto esta experiência é nova para mim. Zidane é o maestro, perante a banda de desafinados (que foram os auto-nomeados inter-galácticos), só e angustiado (ou será concentrado?) deixa-nos no final a sós, dentro do relvado, após a sua expulsão.
Lisboa dentro – 2007
Arquitectura de peso – 2007
Winners and losers - 2007
Isto deu num retrato sobre os adeptos de futebol enquanto espectadores televisivos (e sobre nós, claro está, como se diz na pequena sinopse do programa do DocLisboa). Nunca mostrando a partida em causa, Kowalski monta o seu material fugindo um pouco ao momento de euforia e da tristeza que um golo provoca, interessa-lhe mais os momentos “mortos” (até porque o jogo não foi nada de especial) onde se instala o cansaço do espectador e que despoleta nele os comentários racistas, xenófobos e outros, de outra ordem. Mas há um momento especialmente interessante, como se lembrarão Zidane agrediu Materazzi na partida, e ver expressões dos rostos de ambos os lados é muito interessante. Os italianos não querem outra coisa que não o cartão vermelho (há aqueles que pressentem algo de mais desesperado na atitude de Zidane) e os franceses não acreditam... como pôde Zidane afundar a embarcação...
Le papier ne peut pas envelopper la braise – 2006
Rithy Pahn filmou aqui um conjunto de prostitutas cambodjanas, num prédio na capital Phnom Pehn, que andam naquela vida porque é o melhor sustento para a classe baixa naquele país. Os pais entregam-nas aos chulos (ok, “empresários”) da capital, é lá que param o maior número de turistas, para que elas sustentem a família. Mas, diga-se, que as mães delas também passaram pelo mesmo, ou seja, aquilo, como todas a ratoeiras da pobreza, não passa de um ciclo vicioso.
Rithy Pahn filma-as sempre ao nível dos olhos (como os clássicos americanos) e isto implica que a câmara esteja muito próxima do chão porque elas, geralmente, são-nos apresentadas ajoelhadas, sentadas, deitadas. Drogam-se, comem, discutem, choram no chão, só se levantam quando a noite cai e o trabalho as chama. A cena das cenas é aquela em que cada uma delas beija, com batom, uma parede do prédio.
O único ponto fraco do filme tem a ver com a proximidade da câmara aos seus rostos que lhes provoca "natural" actuação. Não contesto que as memórias e os confrontos delas e entre elas sejam verdadeiros, mas a câmara demasiado próxima, muitas das vezes (nem sempre), retira genuidade à coisa.
Tirando isso o retrato é impiedoso e amoral. Se lá virmos piedade e moral é porque temos a cabeça cheia de ideias feitas e preconceitos que, claro, são os principais responsáveis para que elas ainda lá estejam.
He Fengming – 2007
Em tempos a cinemateca passou um ciclo chamado os filmes-rio (adoro este conceito), ou seja, filmes enormes, de horas, que têm de ter a fluidez exacta para que aquilo resulte. Têm que se ir instalando em nós. Este He Fengming é um excelente exemplo de filme-rio (daqueles que de tanto baterem na pedra dura, os épicos hollywoodescos, acabam por erodi-la).
A walk into the sea: Danny Williams and the Warhol Factory – 2007
O filme é maioritariamente composto por depoimentos da família de Williams, no interior rural dos EUA, e membros sobreviventes do carrossel Factory de Warhol, na urbaníssima Nova Iorque, intercalados com imagens filmadas a preto e branco por Danny Williams. As memórias da pandilha Factory sobre Danny são várias, uns dizem que nunca o viram pegar numa câmara de filmar outros que ele tinha um imenso potencial como realizador, etc. Uma coisa é certa, ele era o gajo da iluminação das produções da Factory, e o principal compositor visual do espectáculo dos Velvet Underground Exploding Plastic Inevitabel (e isto para mim já merece um memorial).
Mas o que restam das imagens por ele filmadas e iluminadas (os contrastes do preto e branco são, de facto, muito bem conseguidos), julgo, são escassas para que sejam marcantes mas, de facto, há um momento arrebatador, que a Esther Robinson usa para concluir o filme, Harold Stevenson e outro homem, loiro (desculpem-me não me recordar do nome), num momento de felicidade, em câmara lenta no contrastado preto (moreno) e branco (loiro), servem como projecção da felicidade romântica então vivida entre Williams e Warhol.